“O Estado Brasileiro está sendo levado a apoiar um genocídio étnico”, aponta diretor da Fepal

Ualid Rabah avalia ruptura das relações diplomáticas entre Brasil e Palestina com a eleição de Jair Bolsonaro





Ualid Rabah, presidente da FEPAL. Foto: Gubran

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) visitou Israel no início de abril. Na viagem, anunciou a abertura de um escritório de negócios em Jerusalém e não desistiu por completo da ideia de inaugurar futuramente a embaixada brasileira na cidade. Ao lado do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o brasileiro visitou o Muro das Lamentações, local considerado sagrado para o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. A visita ao templo junto com o premier israelense causou reação imediata no mundo árabe, uma vez que nenhum outro chefe de Estado – nem mesmo Donald Trump – ousou visitar o local acompanhado de um israelense. O ato foi considerado uma legitimação a ocupação de Israel sob o território.

A reação de parte do mundo árabe foi imediata e o Governo Palestino convocou para consultas seu embaixador no Brasil, Ibrahim Alzeben, como forma de expressar inconformidade com a decisão de Bolsonaro. O movimento islamita Hamas divulgou uma nota crítica onde considerou as ações do presidente brasileiro uma “violação às leis e normas internacionais”.

A excursão de Jair Bolsonaro a Israel estremeceu relações até mesmo com setores aliados ao governo, como a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), setor do agronegócio que teme que o alinhamento a Israel no conflito do Oriente Médio gere retaliações de países árabes consumidores da carne brasileira. Setores como os de produção de açúcar, de milho, de carne de boi e de frango, são cruciais para o comércio brasileiro com nações islâmicas do Oriente Médio e Ásia. Segundo o Ministério da Indústria e Comércio Exterior, somente em 2018, as trocas entre o Brasil e estes países somaram US$ 22,9 bilhões, com uma balança favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões.

Países de maioria muçulmana compram cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar, 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango e 27% da carne de boi. Enquanto que com Israel, o fluxo de negócios fica apenas em US$ 1,49 bilhão e, mesmo assim, apresentando um déficit de US$ 847,8 milhões para o Brasil.

A Federação Árabe Palestina no Brasil (Fepal) manifestou-se com preocupação sobre os rumos diplomáticos que o Estado Brasileiro está tomando, prejudicando interesses econômicos e estratégicos – além de desrespeitar resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU) e tratados do direito internacional ao qual é signatário.

Ualid Rabah, diretor de relações institucionais da entidade, lembra que as relações entre Brasil e Palestina iniciaram ainda na década de 1970 durante o regime militar com o movimento dos chamados ‘países não alinhados’. “Foi nessa época que o Brasil passa a ter votações mais avançadas na ONU. Em 1979 o escritório da OLP [Organização para libertação da Palestina] se instala no Brasil e de lá pra cá em nenhum momento a relação reduziu o status, as relações melhoraram na transição democrática e naturalmente foi evoluindo a cada governo até o reconhecimento definitivo do Estado Palestino em 2010 no segundo mandato do ex-presidente Lula”, relembra Ualid.

O diretor destaca que as relações entre Brasil e Palestina sempre transcenderam as matizes ideológicas. “Nunca houve um viés ideológico de esquerda, direita ou centro, a relação sempre evoluiu de forma natural e diplomática. Nem tudo é preto ou branco, há tons de cinza”, aponta Ualid. Para ele, o que acontece agora é uma total ruptura dessa tradição diplomática. “O corpo diplomático brasileiro – independente de cortes ideológicos que matizassem o governo – sempre se orientou para a restrita obediência a legislação internacional e as resoluções da ONU e perseguindo ao que melhor atendesse aos interesses brasileiros, inclusive na Guerra Fria”, destaca Ualid.

Para o diretor da Fepal, uma visão extremista e fundamentalista ascendeu ao poder e busca reviver o alinhamento acrítico com os Estados Unidos e a Palestina é o alvo. “Não temos exatamente um governo, temos um regime fundamentalista tentando sequestrar o estado brasileiro, se opondo ao estado brasileiro, se opondo a políticas de estado. Não podemos se equivocar e achar que temos um presépio novo. Existe um núcleo duro alinhado com os Estados Unidos, que abre mão da própria soberania nacional”, comenta.

Limpeza étnica

Essa visão fundamentalista, segundo Ualid Rabah, legitima uma limpeza étnica iniciada em 1948 e mantida até os dias de hoje em território palestino. Segundo dados da ONU, existem atualmente cerca de 6 milhões de palestinos refugiados, o que representa aproximadamente 9% de toda a população refugiada no planeta, mesmo os palestinos representando apenas 0,2% da população mundial. “Isso significa que para cada 46 refugiados do mundo, 45 são palestinos para um de qualquer outro grupo étnico do mundo”, destaca Ualid.

A população atual da Palestina é de 13 milhões, dos quais 5,8 milhões vivem como refugiados, conforme dados da ONU. Apenas 9% da Palestina histórica está em poder do povo palestino, isso levando em conta que a Palestina histórica – reivindicada pelo povo palestino – é de apenas 28 mil quilômetros quadrados, ou seja, um 1/7 do estado do Paraná. Uma população que vive sob os contínuos confiscos de terras, construção ilegais de colônias judaicas, com postos militares de controle e estradas exclusivas para judeus, entre outros percalços.

“Nem o teatro do absurdo é capaz de traduzir o que acontece na Palestina, é absolutamente surreal, mas ao mesmo tempo concreto, pois toma terra e corta a carne. Mais que uma limpeza étnica programada o que acontece é um experimento. Um experimento que não pode triunfar, pois se ele triunfar, não sabemos onde ele pode ser implantado na sequência. O experimento anglo-sionista precisa ser parado. E o lugar para ele ser parado é na Palestina histórica”, destaca Ualid.

Para o diretor da Fepal, o povo brasileiro está sendo levado a apoiar interesses antibrasileiros e antipalestinos. “As pessoas comuns podem de vez em quando serem enganadas e serem levadas a dar tiros no pé, mas temos que convencer essas pessoas que elas não devem dar tiro no pé. Não podemos ficar num feudo, numa gaiola dos nossos melhores amigos. Nós temos que falar com os pobres deste país que estão sendo levados a interesses absolutamente antibrasileiros e antipalestinos que nada tem a ver consigo”, concluiu Ualid.