A senzala simbólica

Cortes na educação e a destruição de um projeto de emancipação





Pixabay

Por Ana Carolina Dartora*

Atualmente não vivemos mais em um Regime Escravocrata, mas as pessoas negras têm sua humanidade negada e lugar social demarcado de várias formas, o racismo é onipresente na vida das pessoas negras, e nem sempre se manifesta de maneira explicita, muitas vezes se mostra em olhares e atitudes implícitas como se percebe na seguinte fala:

Carol, 18 anos: …Eles acham que somos favelados, que não sabemos nos comportar em público, que roubamos que não temos caráter, que não temos capacidade, que não pensamos.

A estrutura social permanece quase a mesma, e o racismo sutilmente segrega, dificulta certos casamentos, certos empregos, certos bairros, certas escolas, certas faculdades:

Carol, 18 anos: Até hoje sabemos que há privilégios para brancos, por exemplo se tem uma menina loira de olhos azuis fazendo um teste para modelo, e uma menina negra de cabelo crespo, a loira que vai passar, porque o padrão de beleza é esse.

Consta-se na sociedade brasileira um ambiente hostil, o que resulta nas razões complexas da evasão ou torna a trajetória educacional das pessoas negras muito acidentada e também dificulta a inserção em igualdade de condições no mercado de trabalho formal, desta forma milhares de pessoas negras são atiradas na “Senzala Simbólica”, que mantém certa ordenação da sociedade, maneiras de agir, de pensar, de produzir a vida e as possibilidades de inserção social.

A população negra têm compreendido sua condição social, problematizado, e fazem uma relação entre a história, o racismo e os lugares sociais. Interessante notar, que as mulheres negras apresentaram a questão de gênero, além da condição negra apenas, o que entra em consonância com os atuais discursos sobre feminismo, autonomia e feminismo negro.

Esses discursos têm sido vistos na mídia, em propagandas, reconhecendo a população negra na sociedade brasileira, mas é também, sem sombra de dúvida fruto da lei 10.639/03 e outras medidas complementares a essa, por exemplo, a lei 12.288, de 20 de julho de 2010, da gestão do ex-presidente Lula, o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê cotas e  entre outras medidas, incentivos fiscais às empresas que contratarem negros.

Porém medidas como a lei de cotas são perigosa arma na luta antirracista e na mitigação das diferenças sociais existentes historicamente no país, diferenças essas, que no Brasil sempre tiveram uma cor, a cor negra, ou seja, é uma questão contra ideológica, e para que isso se torne claro é necessário trazer a tona ou relembrar a questão da ideologia, para Marilena Chauí consiste precisamente na transformação das ideias da classe dominante em ideias dominantes para a sociedade como um todo, de modo que a classe que domina no plano material (econômico, social e política), também domina no plano espiritual (das ideias).

As políticas públicas para a população negra e seus resultados que foram diversos, na área educacional da diminuição da pobreza, mais acesso a bens de consumo, melhoria da saúde, inclusão social, bate de frente com a questão ideológica, arranhar os privilégios daqueles que historicamente sempre tiveram o poder assustou, e a reação não poderia ter sido diferente a de um vespeiro assanhado. 

Desta forma, uma postura estatal de intervenção e construção de uma política educacional que toma em consideração a diversidade e que se contrapõe à presença do racismo e de seus efeitos, seja na política educacional mais ampla, na organização e funcionamento da educação, nos currículos da formação inicial e continuada de professores, nas práticas pedagógicas e nas relações sociais na, bem como em outros âmbitos, bate de frente com a ideologia que sempre se fez presente, e causou as mais diversas reações.

Após alguns anos de avanços vivemos num momento de atentado aos direitos fundamentais, desde a aprovação da PEC. 55 (Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, mais conhecida como a PEC do teto dos gastos públicos). Proposta que limitou de forma drástica o investimento em saúde e educação por 20 anos, é um aviltamento, sobretudo para a população negra e periférica, se torna importante nomear o quanto essas medidas são racistas, e fazem parte de um projeto politico que agora é levado a cabo pelo Sr. Jair Bolsonaro, que recentemente anunciou corte de 30% nas Universidades Públicas, visam destruir todos os avanços socias dos governos Lula e Dilma, é aterrador.

Torna-se então clara a ideologia do grupo político em questão, os impactos que resultarão de suas ações na nação brasileira e seu projeto de nação, que em última analise significa a manutenção da população negra na condição pobre e marginalizada, querem manter uma senzala simbólica.

É fundamental continuar olhando para o futuro, haja vista a importância da luta autônoma, mas também a importância das organizações sociais e democratização dos aparelhos políticos e ideológicos, bem como manter viva a noção de que mudanças nem sempre são boas, algumas podem ser retrocessos.

O debate racial é prioritário da luta contra ideológica aos retrocessos que virão e em todas as políticas de modo transversal, tivemos avanços significativos em relação à promoção da igualdade racial, sobretudo na área da educação, com a ampliação das Universidades Federais e a Lei de Cotas, em vez da ampliação dessas conquistas, assiste-se a saídas regressivas que se intensificaram após o impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff.

A luta democrática no Brasil, é uma luta por autonomia e busca de consciência crítica dos atores sociais, mas também uma luta contra ideológica e antirracista.

REFERÊNCIAS 
DARTORA, Ana Carolina. A Experiencia Social das Adolescentes Negras na Escola Pública, Ideologia e PEC 55. In: OLIVEIRA, L. (Org). Educação e Interseccionalidades. Curitiba. NEAB/UFPR, 2018. p. 63-74.
CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo, Brasiliense, 1994.

Ana Carolina Dartora é feminista negra, bacharel em História, mestre em Educação pela UFPR, Secretária de Mulheres e Direitos LGBTI APP-PR e militante da Marcha Mundial das Mulheres.