“Limpeza étnica precisa ser freada”, diz presidente da FEPAL

Para comunidade árabe palestina no Brasil, Dia Internacional de Solidariedade é momento de denunciar injustiça cometida pela ONU que permitiu partilha do território palestino





Palestinos resistem as ocupações e expansão do Estado de Israel. Foto: Leandro Taques

Há 42 anos a Organização das Nações Unidas (ONU) instituía o 29 de novembro como o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Nesta mesma data, em 1947, uma assembleia geral do órgão adotava a Resolução 181, que ficou conhecida como Plano de Partilha. Nela era recomendada a criação de dois estados: o estado israelense (judaico) e o estado palestino (árabe). Mesmo sem a consulta da população, a partilha da Palestina originária aconteceu, porém o estado palestino não foi criado. Além disso, a ONU sinalizava a permissão para criação de um estado teocrático, uma vez que o judaísmo é uma religião.

A cada aniversário desta controversa resolução, a comunidade árabe palestina e movimentos de solidariedade ao povo palestino denunciam as irregularidades desta partilha e suas consequências para uma população que até hoje tem o seu direito de autodeterminação negado. Para os palestinos, o plano foi injusto e determinante para o martírio de seu povo, acarretando na expulsão de cerca de 800 mil palestinos de seus lares. Esse êxodo foi chamado pelos palestinos de “Nakba”, palavra que significa catástrofe.

Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), classifica a resolução da ONU como um equívoco histórico e monumental que permitiu o processo de limpeza étnica de um povo. Ele explica que após a chamada partilha, 60% da população palestina foi expulsa ou morta. Antes da Resolução 181, os palestinos originários detinham e produziam em 95% do território. Eles compunham entre 65% e 70% da população no momento da partilha, o restante eram palestinos judeus e os demais estrangeiros recém-chegados que se somavam aos palestinos de fé judaica.

“Partilhar um território original já é uma clara injustiça por si só. A injustiça é ainda maior e mais clara quando concede 56% do território original da Palestina para 1/3 da população, que eram somados os palestinos judeus e os estrangeiros recém chegados na Palestina. Ao passo que aos palestinos originários, majoritariamente muçulmanos, foi concedido apenas 43% do território. Restando ainda 1% de área internacionalizada que representava toda Jerusalém e parte de Belém”, explica Ualid Rabah.

Ualid Rabah. Foto: Gibran Mendes

Junto ao plano de partilha estabeleceu-se a entrega à minoria colonialista judaica, proveniente em sua esmagadora maioria de países centro-europeus, de mais da metade da Palestina e as terras mais férteis. Como se não bastasse, o Estado sionista desde então expandiu incessantemente o seu território, ocupando hoje 88% da Palestina original. Segundo a FEPAL, tudo isso foi feito mediante guerras, expulsão sistemática dos palestinos das suas terras, operações de cerco e o estabelecimento de novo tipo de “apartheid”.

Ualid Rabah destaca que o povo palestino vive sob os contínuos confiscos de terras, construção ilegais de colônias judaicas, com postos militares de controle e estradas exclusivas para judeus, entre outros percalços. “Nem o teatro do absurdo é capaz de traduzir o que acontece na Palestina, é absolutamente surreal, mas ao mesmo tempo concreto, pois toma terra e corta a carne. O que acontece é um experimento”, afirma Ualid.

Para o presidente da FEPAL, a instituição do 29 de novembro como uma data oficial é o reconhecimento da ONU de seu equívoco histórico. “A ONU cometeu um erro monumental logo após a Segunda Guerra mundial, permitindo que um genocídio ocorresse a partir de uma resolução e posteriormente por sua inação. Posteriormente a isso, a ONU institui o 29 de novembro como mea culpa. Para nós, da comunidade árabe palestina, essa data tem sua importância no sentido de lembrar que o Estado da Palestina precisa existir e lembrar que foi cometida uma injustiça histórica”, argumenta Ualid.

Especialmente para esse 29 de novembro, a FEPAL elaborou uma carta ao secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. O texto reafirma princípios fundamentais de paz e humanismo que balizaram a criação do órgão pós-Segunda Guerra Mundial e cobra medidas efetivas para que o processo de limpeza étnica perpetuado pelo Sionismo e o Estado de Israel seja freado.

O documento questiona o regime de ocupação ilegal promovido pelo Estado de Israel. “Nossa denúncia é a essa ocupação ilegal e os crimes nela cometidos. Se isso for questionar o Estado de Israel, então ninguém poderia ter denunciado o apartheid na África do Sul, por exemplo. Seguindo essa linha de raciocínio, o boicote e as sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU à África do Sul por promover o apartheid não poderiam ter ocorrido”, comenta Ualid.

Limpeza étnica 

Muro na Cisjordânia simboliza a ocupação israelense em território palestino. Foto: Leandro Taques

Questionado sobre o atual momento, Ualid é enfático ao afirmar que a limpeza étnica continua. “O momento é recrudescimento de tudo que aconteceu em 1948. Israel continua se expandido e anexando territórios e impondo aos palestinos os colonos estrangeiros de fé judaica que chegam todos os dias na Palestina. A limpeza étnica segue”, comenta. Esse contexto, segundo Ualid, é simbolizado no muro com 700 metros quadrados, que chega a altura de seis metros ou mais com as torres de vigilância. O muro na Cisjordânia invade e confisca terras palestinas, toma os aquíferos, ao ponto daquilo que hoje está de posse dos palestinos representar apenas 9% da palestina histórica.

A população atual da Palestina é de 13 milhões, dos quais 5,8 milhões vivem como refugiados, conforme dados da ONU. Esse número representa aproximadamente 9% de toda a população refugiada no planeta, mesmo os palestinos representando apenas 0,2% da população mundial. Isso também significa que para cada 46 refugiados do mundo, 45 são palestinos para um de qualquer outro grupo étnico do mundo. Apenas 9% da Palestina histórica está em poder do povo palestino, isso levando em conta que a Palestina histórica – reivindicada pelo povo palestino – é de apenas 28 mil quilômetros quadrados, ou seja, um 1/7 do estado do Paraná.