No mundo todo, Estado socorre economia e população do coronavírus

Dinheiro para trabalhadores, estatização e anistia de impostos e contas têm sido adotadas por países para enfrentar a crise; Brasil está fora da curva





Angela Merkel, Federal Chancellor of Germany, speaking during Special Address by Angela Merkel, Chancellor of the Federal Republic of Germany session at the World Economic Forum Annual Meeting 2020 in Davos-Klosters, Switzerland, 23 January. Congress Centre / Congress HallCopyright by World Economic Forum/Ciaran McCrickard

A mão invisível do mercado e a autorregulamentação da economia são incapazes de enfrentar a pandemia do coronavírus. O fetiche neoliberal baseado na propriedade privada e na não intervenção do Estado na economia e na vida da população está fracassando neste momento com as ações adotadas no mundo inteiro, inclusive em países com governos liberais. O bem estar social voltou para proteger as pessoas. Essa é avaliação do DIEESE, em nota que discute as medidas econômicas e sociais adotadas pelos países que enfrentam a Covid-19. No entanto, o Brasil está fora da curva. Cego na cartilha neoliberal, o país ainda insiste em reformas que ao invés de tratar, matam o futuro da nação.

O primeiro-ministro conservador e ultraliberal, Boris Johnson, responsável pelo Brexit na Inglaterra, foi desses líderes que se renderam a necessidade de o Estado intervir para enfrentar a pandemia. O governo britânico anunciou um pacote de estímulo da economia que prevê recursos da ordem de 38 bilhões de libras (cerca de R$ 223 bilhões) para garantir o pagamento de 80% dos salários dos trabalhadores ingleses a partir de março e ao longo de três meses. Medida oposta da que pretendia adotar o governo Bolsonaro com a MP 297 que permitia o corte de salário dos trabalhadores por até quatro meses.

Socorrendo as empresas
Pelo mundo, as medidas adotadas vão da injeção de recursos na empresas a renda universal, passando até pela estatização. A França anunciou um plano de 45 bilhões de euros para, entre outras ações, ajudar as empresas em dificuldades. Na região de Flandres, na Bélgica, o governo local anunciou um fundo de reserva de 100 milhões de euros de socorro às empresas.  A Alemanha anunciou empréstimos “ilimitados” às empresas afetadas pela pandemia, além de incentivos fiscais. De início, o governo alemão disponibilizará mais de 500 bilhões de euros em crédito para assegurar a liquidez das empresas. Já Portugal adotou diversas ações como linha de crédito de 200 milhões de euros para as empresas e linha de crédito de 60 milhões de euros para microempresas do setor de turismo.

Ajudando os trabalhadores
Não é apenas no Reino Unido que os líderes mundiais entenderam a necessidade de interromper o discurso de cada um por si e “dar o pão para quem não tem como batalhar por ele”. O governo francês está disponibilizando cerca de 300 bilhões de euros para empréstimos bancários e ampliação do plano de “desemprego parcial” (programa de suspensão de contrato de trabalho na França, com pagamento de parte do salário do empregado pelo Estado e oferta de formação profissional). Na Holanda, o governo adotou um programa que prevê o pagamento de até 90% dos salários dos trabalhadores, durante três meses, nas empresas que apresentarem perda de pelo menos 20% da receita. 

Até os EUA planejam enviar recursos diretamente para as famílias, como parte de um pacote de estímulo à economia da ordem de US$ 850 bilhões. A medida prevista propõe doar mil dólares por família.

Estatizar é preciso
Com o colapso do mercado financeiro e o risco de quebra das empresas, o Estado está sendo chamado mais uma vez a socorrer a iniciativa privada. Os EUA deve conceder ajuda de US$ 50 bilhões de dólares ao setor aéreo e comprar de dívidas corporativas de curto prazo das empresas pelo FED. Ainda no setor aéreo, a Itália prevê a nacionalização da companhia aérea Alitalia, que enfrenta grandes dificuldades financeiras há muitos anos. Também prevê um fundo de 600 milhões de euros para o setor aéreo nacional. 

Na Alemanha não está descartada a adoção de programas de recuperação e nacionalização. Já na Espanha se adota medidas de estatização temporária dos serviços privados de saúde para o combate da pandemia. O governo brasileiro, no entanto, não anunciou nenhuma medida nesse sentido. Pelo contrário, as reformas previstas ainda mantêm no radar as privatizações.

Para o DIEESE, “a contradição neoliberal, ao ter que amargar a intervenção do Estado na crise e abandonar, mesmo que momentaneamente, o fetiche da alocação eficiente dos recursos pelo mercado, traz um diferencial importante nessas ações anticíclicas realizadas pelos países”. 

Foto: Isac Nóbrega/PR

Brasil fora da curva

A nota técnica 224 alerta que a forma como cada país lida com a crise gerada pelo coronavírus fará toda a diferença ao final desse difícil período. Terão menos riquezas e mais miséria os países cujos governos não ampliaram despesas, sobretudo as sociais, e escolheram a medíocre estratégia de continuar reduzindo direitos e desonerando o setor produtivo, mantendo intocados os pagamentos dos serviços da dívida.

Este deve ser o rumo do Brasil. Em uma ponta, socorre as empresas e o mercado financeiro, inclusive comprando a carteira de bancos; noutra libera dinheiro que já pertence ao trabalhador, como 13o salário, antecipação do abono e permissão de saque do FGTS. Fundo este que poderão não ser depositados por patrões por três meses. Em outro sentido, oferece apenas R$ 200 como auxílio aos trabalhadores informais, cerca de 41% da cadeia produtiva, aumenta o Bolsa Família em apenas R$ 3,1 bilhões (a Caixa vai destinar até R$ 75 bilhões para bancos e agronegócio) e ainda incentiva a redução de jornada com perda de vencimentos. No Congresso Nacional ainda tramita a PEC que reduz salário do funcionalismo público em 20%.

Na percepção do DIEESE, o Estado intervém principalmente como mediador de ações entre os atores sociais e com reduzido papel de protagonista na mobilização de fundos públicos para o enfrentamento da crise. “O Ministério da Economia está mais preocupado, por exemplo, em fazer avançar nova (a terceira) reforma trabalhista, reduzindo ainda mais os salários e benefícios para aliviar o caixa das empresas, em vez de injetar recursos para tratar da anemia enfrentada pela economia brasileira nos últimos anos”.