MP 936 que reduz salários e suspende contratos coloca a crise na conta dos trabalhadores

Entidades criticam perda de renda e enfraquecimento proposital da negociação sindical





Lançamento da MP 936. Foto: Marcos Corrêa/PR

O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) apresentou a MP 936/2020 que trata da possibilidade de reduzir salários de trabalhadores em até 70%, além de suspender contratos de trabalho por até 60 dias. A MP ainda estabelece a possibilidade de negociação individual entre patrão e empregado, fragilizando a relação sindical. Segundo o governo, o objetivo da medida provisória é preservar 36,5 milhões de empregos, viabilizar a atividade econômica e reduzir o impacto social diante da pandemia de coronavírus. No entanto, a MP mais uma vez foca na preservação das empresas e impõe sacrifícios aos trabalhadores, na avaliação de entidades.

A medida se sustenta na redução de jornada com redução salarial e suspensão do contrato de trabalho com pagamento de seguro desemprego. As reduções podem ser de 25%, 50% e até 70% para trabalhadores que recebem 1 salário mínimo, até três salários mínimos e para aqueles que recebem até dois tetos do regime geral da previdência (R$ $12.202,12). Segundo o governo, a redução prevê a “garantia provisória no emprego durante o período de redução e após o restabelecimento da jornada por período equivalente ao da redução”.

Já a suspensão do contrato tem como público alvo empresas com renda bruta até R$ 4,8 milhões ao ano e empresas com renda bruta acima deste valor. No primeiro caso, o trabalhador recebe 100% do seguro desemprego. No segundo caso, até 70%. “Durante a suspensão do contrato de trabalho o empregado não pode permanecer trabalhando para o empregador, ainda que parcialmente, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância”, diz a MP.

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Trabalhador empobrece

Ao contrário do Projeto de Lei de Renda básica, a MP 936/2020 deve encontrar resistência para ser aprovada no Congresso Nacional por preservar as empresas e retirar poder de renda e negociação dos trabalhadores. O “pulo do gato” da medida governista é limitar a ajudar ao trabalhador ao valor pago no Seguro Desemprego, que varia de R$ 1.045,00 a R$ 1.813,03. Em muitos casos, o trabalhador pode perder até metade da sua renda por três meses.

De cara, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) critica o rebaixamento da capacidade de o trabalhador negociar seu emprego. “Na MP 936 há, contudo, insistência em acordos individuais entre trabalhadores e empregadores que redundará no rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. Tudo isso afronta a Constituição e aprofunda a insegurança jurídica já decorrente de outras mudanças legislativas recentes”, critica a Associação.

Antes mesmo da proposta chegar ao Congresso Nacional, os senadores Randolfe Rodrigues (AP) e Fabiano Contarato (ES), da Rede, recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra mais essa tentativa de enfraquecer a relação trabalhista. Para Randolfe, “não vamos permitir o enfraquecimento de direitos trabalhistas. Essa proteção e ainda mais necessária em momentos de crise, justificando-se, com mais força, a necessidade de fortalecimento da negociação coletiva, e não do seu enfraquecimento”. Já Contarato diz que a redução salarial por acordo individual é inconstitucional. O artigo 7º,  inciso IV, da Constituição Federal, inibe a redução salarial e o inciso XXVI garante o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

Na prática, nas reduções de 25% a 49,9%, o trabalhador vai receber 25% do valor do seguro-desemprego que teria direito em caso de demissão. Em reduções de 50% a 69,9%, o pagamento complementar será de 50% do equivalente ao seguro-desemprego. O deputado federal Marcelo Freixo (Psol) mostrou alguns cenários de como os trabalhadores são prejudicados.

“Se você ganha R$ 5 mil e sofrer um corte de 80%, o empregador entrará com R$ 1.000 e o governo com R$ 1.269 (70% do SD), somando R$ 2.269. A sua renda mensal cairá 54% de uma hora para outra. Se seu salário é de R$ 3 mil, com o corte de 60%, o patrão pagará R$ 1.200. E o governo desembolsará R$ 906,50 (50% do SD). O salário final será de R$ 2.106,50, num prejuízo de 30%”, alerta.

O DIEESE comparou a compensação aos trabalhadores no Brasil com o países que estão adotando política semelhante. Para o departamento, os trabalhadores brasileiros estão perdendo.

“A taxa de reposição dos salários só é integral para o salário mínimo, ficando entre 90% e 60% para salários até 3 SM. Em comparação, vários países Europeus passaram a garantir a remuneração integral ou quase integral em suas políticas de proteção ao emprego e renda. Essa proteção é mais efetiva do que no Brasil quando se considera o poder aquisitivo dos salários”, compara.

Sem estabilidade

A situação do trabalhador pode ser pior, uma vez que a MP relativa a estabilidade no emprego. Na Nota Técnica 232, o DIEESE explica que o empregador poderá dispensar sem justa causa um empregado nesse programa. “A garantia de emprego só é válida para os trabalhadores diretamente afetados pela redução da jornada ou pela suspensão do contrato de trabalho. Demais trabalhadores da empresa podem ser dispensados. Para dar tranquilidade às famílias durante a fase de combate à pandemia, os empregos deveriam ser garantidos, proibindo-se dispensas sem justa causa”, alerta.

Enfraquecimento de sindicatos

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho lembrou que a primeira tentativa do governo Bolsonaro, via MP 927/2020 “submeteu o trabalhador brasileiro a situação de profundo abandono social, reduzindo drasticamente suas garantias trabalhistas no período, sem nenhuma contraprestação patronal e estatal”.  Agora, essa MP 936 tem como pano de fundo a tentativa de prever a redução salarial sem a participação do sindicatos de trabalhadores o que, em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional.

“Ao dispensar a negociação coletiva para implementação das medidas emergenciais sobretudo aos trabalhadores com mais baixa remuneração (até 3 salários mínimos), a MP n. 936/2020 acentua ainda mais o aludido quadro de violação às normas constitucionais e internacionais que garantem a negociação coletiva como instrumento constitucional e democrático destinado à composição dos interesses de empregados e empregadores, especialmente quanto aos trabalhadores mais vulneráveis, “convidados” a negociar sob ameaça de perda do emprego em momentos de crise”, destaca Ângelo Fabiano Farias da Costa, na nota da ANPT.

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Rejeição à MP

A Anamatra (veja a nota completa) conclui que a MP é um golpe nos direitos trabalhistas diante da “ilegitimidade da resistência de setores dos poderes político e econômico” e defende “uma saída mais rápida e sem traumas desta gravíssima crise” preservando a harmonia das relações sociais e trabalhistas”.