Em meio a pandemia, Prefeitura suspende contratos e afeta centenas de profissionais da educação

Cerca de 300 servidores terão cortes de seus Regimes Integrais de Trabalho (RIT), que representam cerca de 50% de suas remunerações





Profissionais dos Faróis do Saber estão entre os que tiveram contratos de RIT suspensos. Foto: Daniel Castellano/SMCS

A pandemia do coronavírus no Brasil tem causado duas grandes aflições à classe trabalhadora: preservar a saúde e manter as contas em dia, uma vez que os governos têm adotado medidas que afetam diretamente a renda de trabalhadores e trabalhadoras. Em Curitiba, a decisão da prefeitura em suspender parte dos contratos de Regime Integral de Trabalho (RIT) da Secretaria Municipal de Educação (SME) já provoca grande impacto na vida de centenas de famílias.

Atualmente cerca de 3 mil professoras e professores da rede municipal contam com o RIT. Esses profissionais têm um vínculo de 20 horas e com o RIT fazem uma dobra de jornada. Alguns deles estão neste regime há quase 20 anos e esses contratos representam cerca de 50% de suas remunerações. No início de abril, a SME anunciou o corte dos RIT. A primeira informação veiculada é que todos os RIT seriam cortados e, posteriormente, a gestão anunciou que cortaria 10% dos RIT, o que representa o corte nos salários de aproximadamente 300 trabalhadores.

Os profissionais afetados são professores do tempo integral, articuladores do integral, das salas de recurso (multifuncional), dos Faróis do Saber, apoio pedagógico e mediadores disciplinares. A Secretaria Municipal usa como justificativa para as suspensões dos contratos a Medida Provisória 934, do governo federal, que flexibilizou os 200 dias letivos, mas que manteve a obrigatoriedade das 800 horas.

Professoras e articuladoras que tiveram o corte de RIT denunciam o descaso da gestão Rafael Greca, ausência de diálogo da SME – uma vez que sequer o sindicato da categoria foi comunicado da decisão – além da falta de sensibilidade da gestão especialmente em um momento de pandemia onde os profissionais estão sobrecarregados e vivendo sob maior pressão. “Desde fevereiro estou sem o RIT. Não bastasse todos os problemas que essa pandemia ocasiona e altera nossa vida, recebemos esse outro problema. Já tenho dificuldades para pagar as contas”, conta a professora Valdirene Aparecida Colaco Alves, que atua há 11 anos no município.

A educadora tem o padrão de 4 horas pela manhã e fazia o RIT no período da tarde. Ela afirma que sempre dependeu do Regime Integral de Trabalho para complementar a renda. “Criei meu filho sozinha, pago aluguel e hoje ajudo ele com as despesas de faculdade. Só com um padrão é impossível sobreviver”, diz Valdirene.

Em meio a pandemia do coronavírus, a professora teve seu quadro de saúde agravado. “Faço tratamento de saúde há quatro anos por causa de depressão. Desde fevereiro tive que aumentar doses de medicamento. Acordo às 3 da manhã e penso: o que vai ser daqui pra frente. Será que conseguirei pagar as contas? Espero que o prefeito e a secretária de Educação repensem essa decisão. Perdermos o RIT neste momento é uma grande injustiça”, clama Valdirene.

Educadores da rede municipal apontam que não há qualquer justificativa pedagógica para o corte e destacam que professoras e articuladoras que tiveram o RIT cortado seguem assumindo uma série de compromissos neste período de trabalho remoto; entre eles o preenchimento de planejamentos, pesquisas e acompanhando as aulas remotas. Todas essas tarefas, segundo os profissionais, serão fundamentais no retorno das aulas presenciais.

“Faço o RIT pela manhã de atendimento especial às crianças em reforço de aulas de português. Há todo um trabalho, um planejamento com as crianças, um olhar diferenciado, troca de experiências com pedagogas para melhorar o desempenho dessas crianças, pois muitas dependem exclusivamente deste nosso trabalho”, alerta a professora Regina Mello, que atua na rede municipal desde 2002.

A educadora reclama da falta de diálogo da atual gestão com os profissionais da educação. “É uma falta de valorização com os professores e demais envolvidos. Nos sentimos desvalorizados e desprotegidos. Essa retirada do RIT é um despropósito, uma falta de preocupação com a qualidade de ensino”, diz a professora, que já sente os reflexos da suspensão do contrato de Regime Integral. “Esse corte já comprometeu meu orçamento nas despesas gerais”, acrescenta a educadora.

Histórico de perdas

Os RITs na SME compensam o déficit no quadro funcional, uma vez que a Prefeitura de Curitiba não faz concurso público para professores desde 2016. Além disso, educadores que ingressaram na rede a partir de 2011 seguem com o mesmo salário inicial da carreira porque ficaram de fora dos ganhos obtidos com Plano de Carreira em 2014 por estarem em estágio probatório. Quando esses profissionais teriam uma recomposição nas remunerações, a gestão Rafael Greca revogou a carreira e congelou salários. Esse congelamento ocorreu no mesmo momento que tiveram aumento do desconto previdenciário. “Os servidores estão atolados em dívidas de consignado, porque se existem servidores públicos que são ‘privilegiados’, eles estão nos altos cargos do Judiciário, nas carreiras militares por exemplo. Este não é o caso dos servidores que estão em contato direto com a população, nas escolas, nas creches/CMEIs, na assistência social ou na segurança pública”, afirma Diana Abreu, professora da rede municipal desde 2000.

Vereadores cobram SME

A suspensão de contratos de RIT também foi pautado por vereadores que, durante sessão remota desta quarta-feira (22), pediram que a SME reveja a posição. “Essas professoras tem o RIT como salário, pois tem dificuldade de sobreviver com apenas um padrão. Essas profissionais assumiram compromissos contanto com essa remuneração, muitas delas são arrimo da família, outras os companheiros hoje estão com dificuldade de renda devido a pandemia. Ninguém imaginava a consequência que essa pandemia traria economicamente aos trabalhadores, e há também consequências psíquicas”, disse a vereadora Professora Josete (PT).

Para o vereador Professor Euler (PSD), rever o corte nos RIT é uma questão de humanidade. “Neste momento a gestão deveria se preocupar em preservar a saúde e a renda dos seus funcionários. O valor referente ao RIT já estava dentro do orçamento. Sabemos que o município terá percas na arrecadação, mas porque ao invés de cortar os RIT não remaneja, por exemplo, os recursos para pavimentação que neste momento são menos importantes”, disse o parlamentar.