A classe política realmente é privilegiada. Enquanto o prefeito Rafael Greca (DEM) e o governador Ratinho Junior (PSD) publicam decretos liberando o retorno de atividades não essenciais no momento que as contaminações e mortes dispararam em Curitiba e Paraná, ela segue tranquila em trabalho remoto, sem precisar se expor na rua e à população nas galerias em votações que vão além do combate à pandemia. Os nobres parlamentares estão há quatro meses sem sofrer muito dos efeitos trabalhistas por conta da crise como redução de jornada e salários. Enquanto o povo vai pra rua, eles ficam em casa.
Quando os vereadores de Curitiba e deputados estaduais decidiram suspender as atividades presenciais, em março, no começo da pandemia, a situação era controlada. Em 21 de março, Curitiba tinha 27 casos confirmados e nenhuma morte por covid-19 registrada. Foi nesta época que a Câmara de Vereadores saiu de trabalho remoto. Na Alep, o trabalho não presencial começou em 23 de março. E desde então, as votações são virtuais mesmo para projetos polêmicos.
Tanto deputados como vereadores debateram e até votaram sobre salários e previdência dos servidores públicos, logo eles que estão na linha de frente do combate à pandemia. Na Câmara Municipal, por exemplo, sem a pressão das galerias, os vereadores aumentaram o desconto do IPMC. Na Alep, após a votação do novo Marco Regulatório do Saneamento, os deputados aprovaram mudanças na Sanepar que influenciam no serviço prestado à população sem sequer realizar uma audiência pública.
Longe do risco, os deputados comemoram o período sem o risco de serem pressionados pela população. “Somente nas sessões remotas foram aprovadas 135 leis, decretos legislativos e resoluções. E apenas para ajudar no combate ao Novo Coronavírus, foram 35 projetos de lei aprovados pelos parlamentares”, se orgulha a presidência da Assembleia Legislativa do Paraná. Entre as medidas estão o decreto de calamidade pública em 322 municípios do estado, a obrigação do uso de máscara, liberação de recursos para as pessoas em vulnerabilidade, proibição do corte de água e luz e recursos para a saúde.
Alguns parlamentares no conforto de seus lares, também defenderam o retorno de atividades não essenciais, o que aumentava a exposição e o risco de contaminação. É o caso dos deputados Gilson de Souza (PSC) e Alexandre Amaro (REP), que em maio pediram a reabertura de igrejas: “tais estabelecimentos possuem papel fundamental para auxiliar na propagação de informações verdadeiras e auxiliam o poder público e as autoridades na organização social em momentos de crises”. O governador Ratinho Junior até autorizou a reabertura, mas voltou atrás após a pressão da sociedade.
Já na Câmara Municipal, os vereadores se debruçaram em carimbar os desejos do prefeito Rafael Greca como “socorrer as empresas de transporte coletivo”, fato questionado por entidades sindicais e Tribunal de Contas do Estado, e liberar mais recursos para asfalto, essa prioridade da cidade no meio da pandemia. Para se ter uma ideia, de acordo com a Secretaria de Saúde, foram destinados R$ 107 milhões do orçamento da pasta para o combate ao combate ao coronavírus. Em meio a calamidade, com queixas sobre falta de equipamentos de proteção individual e insumos, a Câmara Municipal votou, em regime de urgência, a liberação de mais R$ 60 milhões para asfalto. Segundo Greca, mais dinheiro para pavimentação irá colaborar no “remanejamento desses recursos para o atendimento de emergências provocadas pela atual situação que a cidade, e o mundo, enfrentam pela pandemia do covid-19”. Ainda aprovou financiamento de R$ 391 milhões para pacote de obras de mobilidade, apostando que o empréstimo feito em dólar compensa porque a cotação da moeda americana pode baixar no futuro.
Na Câmara Municipal até tiveram medidas que traziam o “novo normal” aos vereadores. Como a proposta da vereadora Professora Josete (PT) de cortar 50% do salário e doar ao Fundo de Assistência Social no momento em que os brasileiros sofriam com a MP 936 que suspendia contratos de trabalho e reduzia salários. Os vereadores não toparam. Disseram que descontava quem queria e que destinavam recursos do orçamento para o combate. Ou seja, dinheiro de impostos, não do próprio bolso. Enfim, Josete solicitou e teve dois meses de salários repassados ao fundo, indo para o terceiro. Já os demais vereadores…
O fato é. Curitiba tem 94% dos leitos de UTI ocupados, 17 mil casos confirmados e 465 óbitos. Já o Paraná tem 66,5 mil casos confirmados e 1650 óbitos. Os casos de covid-19 cresceram 164,5% no mês de julho em relação a junho. Também houve aumento de 115,4% nos óbitos nesse mesmo recorte, de 460 (junho) para 991 (julho), segundo o governo. O comércio está reabrindo, o estado pode anunciar o retorno das aulas, as pessoas estão preocupadas em serem contaminadas indo para a rua e os parlamentares seguem protegidos em isolamento social. Até quando?