Torcedores antifascistas incomodam diretoria do Athletico Paranaense

Diretoria do Athletico notificou judicialmente o grupo pelo uso da "marca CAP". Coletivo classificou medida como censura a torcedores





Integrantes do coletivo de torcedores em ato no dia 26 de julho. Foto: Júlio Carignano

O histórico da relação conflituosa entre a diretoria do Athletico Paranaense e torcedores do clube, que passa por proibições e vetos à organizada, teve mais um capítulo na última semana. Desta vez a situação está relacionada ao momento político do país e um fenômeno que intensificou-se neste período da pandemia: a retomada de atos de rua contra o fascismo com participação de grupos torcedores.

A bola da vez da diretoria rubro negra é um coletivo de torcedores chamado “CAP Antifascista”, que foi notificado extrajudicialmente para que não use símbolos ou referências relacionadas a marca do clube. Na notificação, o jurídico do Club Athletico Paranaense justifica que o grupo de torcedores estaria envolvido em situações as quais o clube não pretende estar ligado e que as mesmas podem “abalar a integridade e reputação do clube, além de causar prejuízos relativos a receitas e patrocinadores”.

O CAP alega que o coletivo viola a Lei de Propriedade Industrial e Propriedade Intelectual ao utilizar a marca do clube: a sigla “CAP” e a referência ao antigo escudo do time utilizado até 2018. Na notificação, o Athletico solicita que o coletivo de torcedores retire de sua página no Facebook todo conteúdo que remeta a marca e abstenha-se de utilizá-la.

Criado em 2018, o “CAP Antifascista” não se apresenta como uma torcida organizada, mas sim um grupo suprapartidário que tem em comum o pensamento político e a paixão pelo Rubro Negro. Apesar de estarem presentes nas redes sociais há dois anos, somente agora a diretoria do Athletico resolveu agir judicialmente contra o grupo. Provavelmente motivada pelos recentes atos públicos ocorridos na capital paranaense.

Ato envolvendo torcidas do Athletico, Coritiba e Paraná Clube. Foto: Júlio Carignano

No dia 26 de julho, os antifascistas do Athletico organizaram junto com coletivos de torcedores do Coritiba e Paraná Clube uma manifestação na Praça Santos Andrade, no centro de Curitiba, contra o governo de Jair Bolsonaro. As imagens deste ato, inclusive, foram anexadas a notificação extrajudicial como argumentação do clube. O protesto foi divulgado nacionalmente e ganhou as redes sociais. Junto a questão política, o ato pautou reivindicações de torcedores, como o fim da perseguição às organizadas e por um futebol que não exclua as camadas mais pobres da população por meio dos altos valores de ingressos e associações.

Antifas

Neste período de isolamento social em razão do coronavírus, houve uma retomada de atos públicos de rua em defesa da democracia. A participação de torcedores organizados foi destaque nos atos, especialmente em São Paulo, sob liderança dos corintianos da Gaviões da Fiel.

Apesar de ganharem notoriedade mais recentemente, a criação de coletivos que trazem a questão ideológica para dentro do futebol não é de hoje. A maioria dos principais clubes do país contam com coletivos autodenominados “antifascistas”. Em razão de as torcidas organizadas não serem homogêneas, alguns grupos atuam no interior destas torcidas e outros de forma independente – como o caso do CAP Antifascista.

Além de estarem envolvidos em protestos e manifestações, esses grupos pautam a questão da segregação ocasionada pelo chamado “futebol moderno”, que cada vez mais exclui as camadas populares dos estádios e distanciam torcedores de seus clubes do coração.

“Reaças”

Ato público no Centro Cívico: Reprodução Twitter

As manifestações políticas de torcedores atleticanos não estão restritas a posições de esquerda. Um grupo de rubro negros com ideologia de direita também se organizou recentemente para defenderem seus ideais. O grupo chegou a participar de um ato público no Centro Cívico e levar uma bandeira com o logo do Athletico e o nome “Reaçonaria Athleticana”. No Twitter e no Instagram, o grupo se apresenta apenas como “Reaçonaria” e diz defender valores como “conservadorismo, futebol e tradição”.

Procurado pela reportagem do Porém, o CAP Antifascista encaminhou uma nota pública na qual classifica a medida da diretoria do Atlhetico como “censura” e “repressão a uma legítima manifestação de torcedores do clube”.

Confira abaixo a íntegra da nota.

NOTA DE ESCLARECIMENTO.

No dia 28 de julho de 2020, o CAP ANTIFA, movimento de torcedores criado com o objetivo de lutar em defesa da democracia, recebeu com surpresa e incredulidade uma notificação extrajudicial do Clube Athletico Paranaense, assinada por seus advogados. A nota exige a imediata “retirada de todas as publicações que façam referência às marcas do Notificante”, sob a alegação de que as “manifestações e publicações realizadas têm potencial de abalar severamente a integridade e a reputação da marca do clube”.

Qual é a pessoa, instituição ou clube que procura se afastar e silenciar deliberadamente um movimento de torcedores que tem a defesa da democracia como única e exclusiva razão de existir?

No meio de todas estas crises que vivemos em 2020, o futebol está no centro das atenções por três questões: primeiro, a questão sanitária que envolve a volta ou não aos gramados e em que condições; segundo, uma grande disputa política e financeira sobre modelos de gestão que já mudaram a configuração legal das formas de transmissão no Brasil, num cenário que agora está repleto de incertezas; por último, o uso político do futebol, algo que em si não é novidade, mas que nos últimos meses revelou para muita gente que havia um espaço de debate e ação política em grupos de torcedores que reagiram contra a ascensão do movimento autoritário patrocinado pelo discurso do governo federal.

Como não se insurgir contra ataques escancarados à democracia brasileira? Quem pode ser contra aqueles que lutam em defesa da democracia?

O mesmo Athletico que obriga jogadores a entrar de verde e amarelo, com uma faixa vergonhosa “TODOS JUNTOS PELO BRASIL”, em claro apoio ao então candidato da extrema-direita, que se apropriou de símbolos nacionais, e desrespeitando a pluralidade dos seus torcedores, quer agora censurar um movimento legítimo de torcedores ao proibir que se utilize a sigla CAP em manifestações que visam à defesa da democracia brasileira diante de um momento tão preocupante e delicado.

O mesmo Athletico, que persegue a principal Torcida Organizada do Clube pelo uso do escudo da Instituição, agora nos tem como alvos em potencial.

Compreendemos o Athletico Paranaense como um patrimônio de seus torcedores, de todas as classes sociais e não apenas da elite econômica de Curitiba e Região Metropolitana. O Clube de muitos, aos poucos foi se tornando um “bem de poucos”, com a criação de inúmeras barreiras que simplesmente impedem ou impossibilitam o acesso a milhares de torcedores da periferia e das classes menos favorecidas de sua massa de torcedores. Destaque-se que não vimos o Clube se manifestar da mesma maneira, contra outros websites, páginas de redes sociais ou quaisquer outras formas de manifestação, da mesma maneira que se manifestou contra a nossa organização. Defendemos princípios democráticos, a liberdade de organização e manifestação, a igualdade social e repudiamos qualquer tipo de discriminação de gênero, raça, cor ou credo. Portanto, quando o Clube coloca em campo um time com a camisa amarela apropriada como símbolo de um dos maiores genocidas da atualidade, não caberia uma “notificação extrajudicial” aos dirigentes cobrando explicações por tal atitude? Qual é a posição do Conselho Deliberativo? Pau que bate em Chico ignora a existência de Francisco?

É de se lamentar que a direção do nosso Clube se preocupe em reprimir seus torcedores, ao invés de dar ouvidos ao clamor das ruas que hoje, infelizmente, estão banhadas com o sangue de milhares de pessoas. A quem de fato o Clube quer proteger? A marca ou a política permanente e sistemática de exclusão do povo pobre dos seus espaços? A marca ou o governo genocida encastelado no poder em nosso país?

A marca do Athletico Paranaense deveria ser um bem coletivo. Ela antecede a existência desses dirigentes atuais que aí estão e só existe graças a paixão de muitos. Ela também pertence aos torcedores pobres, favelados, às crianças da periferia, aos excluídos, da mesma forma que pertence àqueles que podem frequentar os jogos. Ela pertence a nós. Ela pertence à massa que vibra nas arquibancadas e também à que exige justiça nas ruas.

É preciso resgatar o caráter de cultura popular que tornou o futebol tão importante no Brasil. O grande historiador Eric Hobsbawm observou, que “o futebol carrega o conflito essencial da globalização”, por que expõe seu grande paradoxo: quer ser entidade transnacional do capitalismo, mas a matéria prima são a paixão e a fidelidade local dos torcedores com uma equipe. Para quem quiser entender a dimensão política e social do futebol brasileiro basta imaginar como seria a paisagem cultural do país sem o futebol e tudo que ele dá para as pessoas, coisas como a tradição, o ritual, o espetáculo dramático, o senso corporativo, de identidade, a hierarquia, a lealdade, um espaço para dar vazão ao espirito combativo, um dos poucos espaços no meio do grande mercado que é nossa vida que a arte e a beleza ainda são valorizadas. A atual gestão do clube Athletico Paranaense pode até tentar, mas não se pode jamais tirar o futebol do povo, um povo que está mais sofrido do que nunca.