Brasileiros retidos na África do Sul fazem apelo por repatriação

Família curitibana diz que a Embaixada não dá previsão para o retorno e ansiedade aumenta





Brasileiros aguardam que Itamaraty programe um voo para trazê-los de volta ao país. Foto: Arquivo Pessoal

Um grupo de brasileiros que aguarda repatriação na África do Sul está se mobilizando para pressionar o Itamaraty a viabilizar o retorno para casa. A união surgiu após sucessivos pedidos individuais de repatriação sem resposta efetiva da Embaixada do Brasil no país. No último dia 31, o grupo enviou uma carta coletiva ao Itamaraty, à Embaixada, à Secretaria da Presidência da República e à Defensoria Pública na qual eles relatam a situação de desamparo que vivem no país sul-africano por parte do governo brasileiro.

O grupo que assina o documento se organizou pelas redes sociais, mas acredita haver muito mais gente na mesma condição. O Consulado do Brasil em Cape Town disponibilizou um formulário online para que interessados em repatriação façam um cadastro, porém, não informa aos brasileiros quantos já fizeram essa solicitação.

Na internet, eles criaram uma petição no Avaaz em que relatam sua situação: “Ao longo desse período, a Embaixada do Brasil tem conseguido lugar em voos comerciais autorizados para operar na África do Sul durante o bloqueio com objetivo de resgatar quem ainda ficou. O problema é que esses voos são todos com valor muito acima das nossas possibilidades financeiras e estamos desesperados”, revelam.

Desde 26/03, a África do Sul está com fronteiras fechadas como parte das políticas de contenção da propagação do coronavírus no país, e não há qualquer previsão de reabertura. O último voo de repatriação realizado pelo Itamaraty aconteceu em 06/04, partindo de Johanesburgo para São Paulo. No documento enviado às autoridades brasileiras na semana passada, o grupo relata que “seja por motivo de não ter sido informado sobre ele [o voo de abril], por suspeita de covid-19, por não conseguir se desvencilhar dos compromissos em tempo ou porque acreditávamos que depois de alguns meses as fronteiras estariam abertas, o fato é que muitos de nós não pudemos embarcar naquele voo e, passados 4 meses, a situação se agravou para muitos”.

Sensação de desamparo

Ao longo desse período, a Embaixada do Brasil tem conseguido lugar em voos comerciais de empresas estrangeiras autorizadas para operar na África do Sul com objetivo de resgatar pessoas de várias nacionalidades que ficaram retidas pela pandemia. Mas, ao contrário das repatriações, esses voos são pagos pelos passageiros e têm valores muito acima do que se pratica no mercado. Os valores ofertados até agora variaram entre R$ 6 mil e 15 mil por pessoa e são considerados muito altos pelo grupo que assina a carta. “A impressão que nos passa é de que só conseguirá voltar para casa quem tem condição financeira de fazê-lo dentro dos valores exorbitantes impostos por essas empresas. Isso nos dá uma tremenda sensação de abandono”, diz o documento.

Na divulgação desses voos comerciais para os brasileiros que estão no país, o órgão consular na África do Sul deixa expresso que “os voos em questão não são organizados pela Embaixada do Brasil. O papel da Embaixada limita-se a informar sobre a possibilidade de uso de tais voos e a obter as autorizações necessárias para que os cidadãos brasileiros possam deslocar-se ao ponto de encontro para embarque no voo”.

Muitas famílias passam por dificuldades, como o casal Gisele Simões e Aline Lins. Elas chegaram ao país africano em 27/11/19 para estudar inglês. Foram dois anos fazendo economias e planejando a viagem que deveria acabar em 20/05. Como estavam doentes no dia do voo de repatriação no início de abril, não puderam retornar e, com o fim do dinheiro programado para a viagem, elas contam há dois meses com hospedagem solidária enquanto aguardam uma solução por parte do governo brasileiro. “Viajamos pra cá com o dinheiro todo organizado para seis meses. Já estamos dois meses aqui além do programado e já não sabemos mais o que fazer, a quem recorrer”, relata Gisele. Para piorar, a companhia aérea pela qual Gisele e Aline viajaram, a South Africa Airlines, está em colapso financeiro e com pedido de aporte para fugir da falência por causa da pandemia.

A mineira Sonete de Souza Machado também passa por uma situação delicada. Ela se programou para retornar ao Brasil com as duas filhas adolescentes em junho, porém, com a suspensão dos voos, a família está presa no país. O lugar onde mora já está com o contrato vencido, assim como o seguro saúde das três. “Não estava no meu orçamento ter que pagar por esses voos tão caros para retornar e isso tem sido um fator de muita preocupação pra mim. Além disso, tenho uma filha asmática que necessita de medicação diariamente e esses voos que a Embaixada tem oferecido nesses valores caríssimos preveem várias paradas, o que aumenta a exposição da minha filha ao risco de contaminação por coronavírus”, relata.

A jornalista Waleiska Fernandes relata que se licenciou do trabalho no Brasil por seis meses e que toda a sua previsão orçamentária para ficar na África do Sul era por esse período, acompanhando o marido que está fazendo pós-doutorado no país. Ela diz que já relatou à Embaixada que não tem meios de arcar pelos custos que estão sendo exigidos para o seu retorno inesperadamente. “Nossas passagens, minha e das minhas filhas, custaram R$ 7.200,00 ida e volta e foram pagas antes da gente sair do Brasil, com muita organização financeira. Nesses voos divulgados pela Embaixada, só a volta está custando cerca de R$ 25 mil. Isso é impraticável pra alguém que se licenciou sem salário e que veio com o dinheiro todo programado”, justifica. Segundo ela, todas as respostas da Embaixada aos seus e-mails são de que não há previsão para uma nova repatriação por parte do governo. Ela e as filhas já estão com visto vencido.

Waleiska Fernandes e Mário Messagi são jornalistas em Curitiba. Foto: Arquivo Pessoal

Pressão em Brasília

Entre as soluções sugeridas pelo grupo na carta, estão: a realização de um voo de repatriação realizado pelo Itamaraty resgatando brasileiros que estejam na mesma situação na África do Sul e países vizinhos, como a Angola; ou que o governo subsidie as passagens de quem está pedindo a repatriação mas não dispõem dos altos valores cobrados pelas companhias estrangeiras para o resgate.  

O grupo foi informado de que o documento já está em Brasília num gabinete de crise que trata da situação de brasileiros no exterior, porém, não ainda há uma resposta quanto à possibilidade de que vá acontecer um novo voo de resgate de quem está na África do Sul.

Eles também passaram a buscar apoio de deputados federais e senadores para que seja reforçada a pressão sobre o governo em busca de uma solução. O grupo enviou mensagens para as lideranças de todos os partidos representados no Congresso. Entre os apoios recebidos, estão das Comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara e da Bancada da Minoria na Câmara, que já protocolaram pedidos de informações aos órgãos do Executivo, mas também seguem sem resposta.