Vacinação: o grande placebo nacional

Melhor remédio ainda é máscara e isolamento social





Prefeito Rafael Greca com a secretária da saúde, Márcia Huçulak e o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Médico Clóvis Arns da Cunha. Curitiba. 20/01/2021. Foto: Ricardo Marajó/SMCS

Longe de querer jogar água no chope de sua futura aglomeração social, mas as belas imagens de enfermeiras sendo vacinadas em todo país com governadores e prefeitos entusiastas não passam de mera “inauguração de pedra fundamental de uma obra qualquer”. Falta muito para que a “Ponte da vacinação para todos” leve a imunização para algum lugar. O que vimos até agora são meros placebos para a esperança nacional.

E, assim como nenhuma obra se solidifica sem concreto, o grosso da população não será imunizada sem a matéria prima. É problema de oferta e demanda, como disse o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Faltou esclarecer que a oferta mundial colocou a nossa demanda lá atrás na fila por conta das opções políticas do governo. Traduzindo: todo mundo quer abrigar a Copa do Mundo. Demanda tem pra isso, mas quem faz a melhor oferta, leva. E o Brasil está perdendo.

Presidente durante discurso nos BRICS. Foto: Marcos Corrêa/PR

Sofremos as consequências de dois anos atacando politicamente nosso principal parceiro comercial, a China, produtora da Coronavac. E eles podem vender os insumos para o mundo todo, não apenas para o Brasil. Assim, pagamos – ou melhor, não pagamos – por termos sido infiéis a essa parceria e termos namorado a agenda de Trump. Sofremos ainda as consequências de termos se alinhado com os interesses dos países desenvolvidos e não termos sido aliados à Índia, que pertence aos BRICS, na quebra de patentes. Agora, a “vacina de Oxford”, cuja origem é indiana, dificilmente chega ao nosso país na velocidade e quantidade que precisamos.

Mesmo com esses problemas, os brasileiros têm sido envoltos em um grande placebo nacional, com prefeitos, governadores, imprensa e tudo mais. Injeta-se a ilusão de que a vacina está chegando para desviar o foco de hospitais lotados e o relaxamento das medidas de isolamento social que ontem, hoje e amanhã são muito mais eficazes na atual conjuntura para conter a propagação do vírus. 

E nem precisa ser muito bom de matemática para entender o tamanho do nosso placebo. O Brasil tem, até agora, quase seis milhões de vacinas. São necessárias duas doses. Isso representa apenas 3 milhões de pessoas. Logo, o país precisa de 400 milhões de doses para imunizar todo o povo. A conta pode ser até menor, uma vez que, de acordo com o PNI, menores de 18 anos não serão vacinadas. EM CAIXA ALTA: isso significa que querem que vocês mandem seus filhos para a escola, mesmo sabendo que eles não serão vacinados. 

Comparemos agora à Curitiba e ao Paraná. A capital tem 2 milhões de habitantes. Logo, precisa de 4 milhões de doses. É a quantidade que o estado previu usar em todos os 399 municípios até maio de 21. O Paraná tem pouco mais de 10 milhões de habitantes (Logo, 20 milhões de doses). Só que Curitiba recebeu 22 mil doses aproximadamente (que dão pra 11 mil pessoas) e o Paraná 256 mil doses. E quando chegarão as outras 3,7 milhões e pouquinho de doses? Pergunte a Greca e a Ratinho, que perguntaram a Bolsonaro, que dirá “não tenho bola de cristal”.

E o Paraná paga duas vezes por sua incompetência. O estado, assim como o Instituto Butantan, poderia ser reprodutor da Sputinik, via Tecpar. Mas o governador bolsonarista Ratinho Junior desfez o convênio para esperar a vacina da AstraZeneca que será produzida pela FioCruz sabe-se lá Deus quando (lembrem, o Brasil “brigou” com a Índia, que detém a matéria-prima). Por outro lado, sabe onde vai ter vacina sobrando? Aqui do lado da fronteira, na Argentina, que comprou a Sputnik e vai produzir 200 milhões de doses para a América do Sul, exceto para os patriotas brasileiros que brigaram com os hermanos, taoquei.

Governador recebe vacinas. Foto: AEN

Mesmo que tivéssemos as 400 milhões de doses amanhã no Brasil, isso não muda a necessidade de promover ações de combate ao vírus de forma combinada. O país precisa de um novo (de um verdadeiro) lockdown, principalmente nas regiões mais populosas, para conter a disseminação do vírus e desafogar os hospitais. Esse trancasso de pelo menos 14 dias deve vir acompanhado de soluções financeiras para os setores que serão afetados, principalmente pequenos comerciantes e informais. Aí, poderíamos vacinar primeiro os profissionais de saúde, as pessoas acima de 60 anos, enquanto que a faixa etária entre 18 e 40, onde está a maior taxa de contágio e transmissão, aguarda quietinha a sua vez de ser vacinada. 

Mas o que veremos daqui pra frente é justamente o contrário. Mais e mais pessoas nas ruas, sem a preocupação de usar máscara e manter distanciamento social, hospitais lotados, falta de auxílio emergencial, e povo contente porque o jornal mostrou que a “vacina está chegando”. É muito ópio!