Semana passada, não lembro o dia, cansado emocionalmente (não fisicamente) por assistir e viver tantas desgraças, desfeitas, sofrimentos, dores da alma e do desumano fascismo e dos fascistas, sentei-me, para passar alguns minutos, na frente da TV.
Minha intenção era ver um ‘Telecine’. Ver um melodrama qualquer com o final previsível. Passar alguns minutos, talvez uma hora, na frente da TV esperando o momento de ir para a cama.
Com o controle remoto na mão, comecei a passear pelos filmes que o aplicativo dispunha, afinal, o objetivo era relaxar, assistir algo leve, solto e sem pretensão.
De repente, me caiu na frente A garota dinamarquesa (The Danish Girl). Li o resumo, e sinceramente – pelo cansaço ou não – não entendi, pois me pareceu um leve e suave melodrama.
Assim, virgem de informação, sem saber – “santa ignorância” – nada sobre o filme e tampouco quem foi Lili Elber, Einar Wegener e Gerda Wegener, comecei a ver o filme.
A filmagem abre com belos planos. Um deles é uma “bela foto” de uma árvore, com poucas folhas, refletida num lago. São paisagens que mostram serenidade e plenitude. Mais adiante, uma das imagens da abertura aparece repetidamente – com alguns traços e/ou cores diferentes – nos quadros pintados por Einar.
Em seguida, surge a Copenhague da década de 1920. Tudo muito tranquilo.
Até aqui é tudo o que eu queria: ver o belo e não precisar pensar.
No primeiro momento – como todo filme – é feita a apresentação dos personagens. Surge um casal bonito, harmônico e feliz: Einar Wegener e Gerda.
Ainda descolado e desinformado da história, imaginei que Gerda fosse a garota dinamarquesa.
O filme vai avançando e vai ganhando minha atenção. O cansaço começa a ser ‘distraído’ e começo a ‘esquecer’ de Bolsonaro e do mundo em que vivo.
Einar Wegener, pintor dinamarquês de relativo sucesso é casado com Gerda Gottlieb, ilustradora/pintora com dificuldades de ser reconhecida “profissionalmente” como tal.
Eimar Wegner passa a viver um drama: seu corpo é subjugado por uma vontade que vem de dentro. Por dentro habita-o uma mulher.
A história me manteve atento e ‘torcendo’, para algo que não sabia o que era. Torcia para que algo desse certo, mesmo que – naquela altura do filme – não saiba o que seria o “certo”.
Sai do cansaço e passei a viver por dentro da história, por dentro do drama – individual – coletivo dos três personagens: Einar Wegener, Lili e Gerda. A fusão do personagem Einar/Lili levou-me a refletir: o que faria se fosse Einar/Lili ou Gerda?
O fato de não ter informação sobre o filme, as personagens e tampouco qualquer pretensão sobre o que esperar da obra, me levou a vivê-lo – até o fim – com emoção e torcendo, agora já sabendo para o quê e para quem torcia.
O filme mostra o “nascimento” de Lili Elbe e a “morte” de Einar Wegener.
Mostrou a minha ignorância e gerou curiosidades me obrigando a ir à internet, onde tomei conhecimento que o filme foi baseado no “Diário de Einar Mogens Wegener”, primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de mudança de gênero, na década de 1920.
Também tomei conhecimento que, em 1930, um tribunal dinamarquês anulou o casamento entre Einar e Gerda, e que Lili conseguiu mudar seu nome em diversos documentos.
Este texto não é de um crítico de cinema, tampouco é uma crítica ao filme. São observações de alguém cansado, de saco cheio com o momento em que estamos vivendo, que não sabia o que queria ver na TV e tampouco sabia alguma coisa sobre Einar/Lili e Gerda.
Surpresas: a garota dinamarquesa não era quem no início do filme pensei que fosse. O filme levou-me a procurar saber da história de Einar, Lili e Gerda e a buscar reproduções relacionadas às fotos dos quadros que pintaram. Senti que, pelo menos durante o tempo em que o assisti, isso levou-me a ‘esquecer’ o nome do governante do país onde vivo.
Ah! Veja o filme. Por recomendá-lo não ganho nada da Netflix.
* Doutor Rosinha é ex-deputado federal e médico pediatra na rede municipal de Curitiba