Brasileiros flertam com autoritarismo

Pesquisa mostra que população troca a liberdade de expressão pela ordem





Manifestantes pedem intervenção militar no desfile de 7 de setembro, em Curitiba. Foto: Julio Carignano/Porém.net

O brasileiro precisa ser estudado. E, quando é, precisa fazer análise. Uma pesquisa idealizada por pesquisadores da World Values Survey Association e aplicado no Brasil em meio à pandemia de Covid-19 pelo Instituto Sivis, em parceria com o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), mostrou que 40,8% dos brasileiros disseram preferir a “manutenção da ordem” no país em relação à garantia da liberdade de expressão, apontada como prioritária somente por 17,9% dos respondentes. O estudo revela que existe apoio massivo para a instalação de um regime autoritário no país.

Foram obtidas respostas de 1.929 indivíduos na Onda 2 da pesquisa Valores em Crise aplicada em janeiro e fevereiro de 2021, os quais também responderam à Onda 1 da pesquisa em maio e junho de 2020. Os indivíduos que permaneceram no painel na Onda 2 são desproporcionalmente mais velhos, mais escolarizados e de classes sociais mais altas em comparação com o agregado dos indivíduos da Onda 1 e a população brasileira como um todo. Isso revela que o perfil dessas pessoas foram eleitores de Bolsonaro e tem ido às ruas defender intervenção militar e perda de direitos políticos.

Na primeira fase da pesquisa, os índices foram de 47,1% e 18,9%, respectivamente, o que sinaliza uma aceitação da população quanto à possibilidade de o governo passar por cima das leis, do congresso e das instituições com o objetivo de “resolver problemas e melhorar a vida da população”. 

O levantamento ainda mostra que a imensa maioria das pessoas não confia nas instituições ou em desconhecidos. Contudo, houve um leve aumento nas categorias de maior confiança institucional e interpessoal entre uma onda e outra, mostrando que parece haver uma tendência de crescimento da confiança nas pessoas e nas instituições no período. 

Embora a alternativa “Manter a ordem na nação” permaneça a mais indicada pelos respondentes como prioridade máxima para o país, ela experimentou uma queda substantiva entre as Ondas 1 e 2 (de 47,1% para 40,8%). Por outro lado, a alternativa “Combater a inflação” experimentou um aumento significativo (de 22,9% para 29,6%). Reflexo do período de pandemia em que o presidente perdeu apoio e que o custo de vida dos brasileiros está subindo.

“Isto sugere que, passado o primeiro momento mais caótico da pandemia, as pessoas estão deslocando as suas preocupações daquelas de natureza disciplinar para as de natureza econômica, o que novamente indica em certo sentido uma retomada da normalidade socioeconômica”, avalia o estudo.

Para Diego Moraes, pesquisador do Instituto Sivis, mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica e responsável pela execução de pesquisas, a expectativa era de que a pandemia representasse uma oportunidade de fortalecimento da cultura democrática no Brasil, como ocorreu em outros países, já que, na medida em que as pessoas se solidarizam mais, elas tendem a aumentar a tolerância e a disposição para o diálogo. 

“O que estamos observando, infelizmente, é que isso ainda não está se materializando como esperado. A politização da pandemia parece que faz com que nossa cultura democrática esteja sendo minada”, diz.