Deputados e entidades se unem contra a terceirização da merenda escolar no Paraná

Em carta pública, participantes da audiência pública repudiaram a privatização da merenda e apontaram medidas para salvar o Programa Nacional de Alimentação Escolar no Paraná





Audiência debate a possibilidade de terceirização da merenda escolar. Foto: Arnaldo Alves/AEN

O processo de terceirização da merenda escolar no Estado do Paraná trará prejuízos irreparáveis e promoverá o desmonte da agricultura familiar. A conclusão é de parlamentares e representantes de entidades que participaram da audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (25), sob coordenação do líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Assembleia Legislativa, deputado Tadeu Veneri. Além de provocar danos de ordem econômica e social, a qualidade da alimentação servida aos alunos da rede pública de ensino será diretamente afetada pelo processo de privatização se levado adiante.

“Nós somos contra a terceirização da merenda escolar porque resultará numa qualidade inferior à alimentação escolar entregue atualmente, além dos custos que certamente demandarão mais recursos do Estado. O número de alunos que receberam merenda escolar no ano de 2019 foi de 1,48 milhão, ou seja, foram distribuídas em torno de 312 milhões de refeições. Isso dá uma dimensão do que significa esse processo. Não podemos permitir que a educação se transforme em mercadoria”, afirmou o líder da bancada petista.

Autora do projeto de lei que proíbe a terceirização da alimentação escolar no Estado, a deputada Luciana Rafagnin destacou a importância da agricultura familiar no fornecimento de alimentação saudável para os estudantes paranaenses. “No momento que passamos umas das maiores crises no país, o governo do estado realiza estudos para terceirizar a merenda escolar. Sabemos das dificuldades pelas quais estão passando nossa agricultura familiar. Na Assembleia Legislativa apresentamos o PL 660/2021 que proíbe a terceirização da merenda escolar porque nós não concordamos com essa proposta do governo e sabemos que ela vai trazer enormes prejuízos para os agricultores e para os pequenos municípios, além da alimentação saudável que é oferecida às escolas. Vamos continuar defendendo que a agricultura familiar continue alimentando nossos estudantes no estado do Paraná”, disse a deputada.

Líder do bloco de oposição, o deputado Professor Lemos manifestou preocupação com a intenção do governo e disse que a população “precisa se levantar a favor da educação pública de qualidade a favor da alimentação saudável e contra a terceirização da alimentação escolar”. “Recebemos esta informação com muita preocupação e ela caiu como uma bomba. É um prejuízo para a saúde dos nossos estudantes e para a nossa economia, em especial para a agricultura familiar. A da merenda escolar tira dinheiro da educação, porque o FNDE deixará de repassar os 30% que devem ser utilizados para aquisição de alimentos da agricultura familiar. A população do Paraná precisa se levantar a favor da educação pública de qualidade, a favor da alimentação saudável e contra a terceirização da alimentação escolar. Precisamos combater essa proposta que não é de interesse público e sim dos grandes grupos econômicos”, destacou.

Representante do Conselho Federal de Nutricionistas, Aleksandro Wosniak, criticou a falta de diálogo do governo com as entidades que fazem parte da cadeia de fornecimento de alimentação para as escolas estaduais. “Se nós temos um programa que é referência nacional de fomento para a agricultura familiar, por que terceirizar a alimentação? Por que não investir num programa maior e continuar executando o programa já existente? Hoje nós contamos com apenas quatro nutricionistas para dar conta de todo o Estado. A alimentação é um direito. Como o governo realiza um estudo de viabilização de terceirização sem trazer à tona a discussão para a sociedade civil? O quão isso será prejudicial para as organizações da agricultura familiar? Não podemos transformar a merenda em mercadoria. O governo vai deixar de gerar renda para as localidades e passar a atender uma empresa”, alertou.

“Estamos vivendo tempos de destruição de um sistema histórico, que está sendo construído desde os anos 90, a partir de um longo processo de elaboração de políticas públicas. Assim como temos o SUS, temos o SUAS, nós temos a alimentação no SISAN, um sistema nacional de alimentação. A alimentação escolar é uma parte desse sistema e atacar a alimentação escolar é atacar todo o sistema. Estamos num processo de destruição de políticas públicas e precisamos fazer a resistência para consolidar o sistema que está funcionando, está dando certo. O governo precisa vir a público prestar contas do que está acontecendo. Nós queremos uma resposta. Esse tema não está sendo debatido com as entidades, que precisam ser ouvidas. Estamos de olho nessa questão e estamos muito preocupados porque é apenas a ponta do iceberg que pode destruir todo um sistema, disse Maurício Barcelos de Guelman, do Conselho de Segurança Alimentar (Consea).

Para o agricultor familiar e membro da Associação de Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA), André Jantara,  a proposta de terceirização da merenda escolar é um retrocesso. “A valorização da alimentação saudável, da agricultura familiar tem se saído muito bem. As organizações das cooperativas vêm beneficiando o trabalho de organização no campo que questionam muitas vezes como comercializar seu alimento. Isso é resultado de muito trabalho. Temos uma lei que em 2030 a alimentação terá que ser 100% orgânica. De onde virá essa alimentação se a terceirização ocorrer? Não entendemos o que se pretende com essas formas de terceirização. Estamos falando de alimentação saudável, isso é muito preocupante. É um retrocesso. Precisamos formar uma rede urgente e debater com os demais parlamentares para impedir que isso aconteça. Seria um caos, um desmonte das cooperativas e da agricultura familiar”, afirmou.

Representante da APP-Sindicato, Nádia Brixner, apontou os prejuízos pedagógicos e nutricionais da terceirização. “Teremos o prejuízo nutricional, porque as empresas não vão garantir o respeito às necessidades dos nossos estudantes. O prejuízo pedagógico e educacional, considerando que hoje são feitos projetos educativos a partir da alimentação saudável, de valorização da agricultura familiar, o prejuízo financeiro para os agricultores familiares e consequentemente para os municípios e o prejuízo social. Nós sabemos o quanto a pandemia empobreceu as famílias. Se antes da pandemia tínhamos estudantes que iam às escolas para garantir a alimentação básica, hoje temos muito mais. É o dinheiro público indo para a iniciativa privada. Precisamos fazer o enfrentamento e barrar esse processo”, conclamou.

A representante da Cooperativa Central de Reforma Agrária do Paraná (CCA-PR-MST), Dirlete Delazzari, denunciou a exclusão da agricultura familiar do programa de aquisição de alimentos para a merenda escolar na região Norte do Paraná. “Nesse último período, entre 2020 e 2021, o município de Rolândia, por exemplo, diminuiu o fornecimento em torno de 40% dos hortifrutigranjeiros para as escolas estaduais. No núcleo de Apucarana, os lácteos, como o iogurte o iogurte e derivados, diminuíram 52%. É um processo de exclusão da agricultura familiar para justificar a terceirização”, frisou.