Frei Betto: “Bispos brasileiros estão distantes do Papa Francisco”

Em Londrina, escritor também falou do ex-presidente Lula e do momento político do país




FonteLuis Miguel Modino

Escritor Frei Betto. Foto: Leandro Taques

Presente no 14º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que acontece em Londrina (PR), de 23 a 28 de janeiro, Frei Betto analisou o papel das CEBs, destacando sua grande importância na vida do país nas décadas de 1970 e 1980, e como elas podem ser instrumento que ajude a retomar muitos dos aspectos que sempre estiveram presentes na sociedade e na Igreja do Brasil.

Amigo do ex-presidente Lula, o escritor falou sobre o julgamento e a situação política do país. Para ele, a Igreja Católica está tímida diante deste momento. Ele trouxe a memória bispos que no passado se comprometeram com os mais pobres e chegou a afirmar “que existe um distanciamento entre o Papa Francisco e os bispos brasileiros”. Confira a entrevista.

Como vê hoje a situação sociopolítica do Brasil?

Frei Betto: O Brasil vive uma crise política e institucional muito forte desde que foi dado o golpe parlamentar que depôs à presidente Dilma Rousseff, golpe esse que complementa uma estratégia da Casa Branca para destituir os presidentes progressistas na América Latina. Começou por Honduras, depois pelo Paraguai e agora pelo Brasil, e com isso temos um governo golpista, chefiado pelo presidente Temer, que não consegue chegar a 5% de aprovação da opinião pública e um grande impasse porque estão querendo criminalizar a figura do expoente máximo da base popular brasileira, que é o ex-presidente Lula. A superação dessa crise vai depender por um lado das eleições desse ano, que ocorreram em outubro. Por outro lado temos um cenário muito curioso, que é a inércia do povo. Muitos me dizem, principalmente amigos estrangeiros, por que não ocorrem aqui manifestações como aquela que houve recentemente na Argentina? Por que não ocorrem manifestações para depor o presidente Temer? Por que não ocorrem manifestações expressivas? Porque, infelizmente, durante os 13 anos do governo do PT não se trabalhou a politização do povo brasileiro, não se fez o que eu chamo alfabetização política. E com isso nós temos hoje uma nação de consumistas e não de protagonistas políticos.

O que deveria ser feito para recuperar essa dimensão política na sociedade?

Frei Betto: Nós precisamos primeiro fortalecer os movimentos sociais, isso é o mais importante. Eles são o povo mais importante de toda a cadeia de mobilização social, muito mais que os partidos. O problema é que, uma vez no governo, o PT cortou alguns movimentos sociais importantes, como a CUT e a União Nacional dos Estudantes. Eles se tornaram muito mais base do governo do que deveriam ser e não representantes da base junto ao governo. Então, com isso, hoje nós temos movimentos sociais muito fragilizados, embora alguns tenham expressão nacional e capacidade de mobilização, e eu resalto dois, o MST e o MTST, esses dois movimentos são os expoentes da mobilização popular no país. Mas deveríamos ter muito mais, pois o Brasil tem uma enorme rede de movimentos sociais, movimento negro, movimento de mulheres, movimento de luta por direitos, água, passarela, estrada, cisternas, toda uma infinidade de movimentos sociais, mas esses foram fragilizados por falta de um trabalho, a meio prazo, de alfabetização política, e hoje, se você perguntar qual é a nossa tarefa prioritária? A resposta é essa: aprimorar, investir, fortalecer os movimentos sociais.

O senhor falou sobre o MTST. Como vê a possibilidade de uma candidatura de Guilherme Boulos?

Frei Betto: Parece que há uma tratativa para que ele saia candidato a presidente pelo PSOL, que é um partido de esquerda, e no segundo turno apoiaria o Lula. Ele tem conversado muito com Lula e Lula com ele, os dois são parceiros. Porque o Guilherme, como candidato a presidente, vai conseguir agregar um setor da esquerda que hoje não está disposto votar em Lula devido às alianças que Lula fez no passado e ainda insiste fazer no futuro, com Renan Calheiros, com José Sarney, etc., que são caciques corruptos da política brasileira.

A Igreja, diante da situação política, através da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, já tem emitido algumas notas. É o suficiente?

Frei Betto: A Igreja brasileira foi muito profética durante os anos da ditadura militar e a democratização a partir de 1985 até a década de noventa. A partir daí, com o pontificado de Jõao Paulo II e Bento XVI, esse profetismo desapareceu praticamente, e ainda não despontou de novo. Então nós temos uma Igreja tímida, que faz documentos tímidos, alguns até críticos ao governo Temer, como aquele que foi emitido contra a reforma trabalhista, mas não temos mais expoentes proféticos como Dom Pedro Casaldáliga, Dom Helder Câmara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Fragoso, Dom Luiz Fernandes, bispos que realmente expressaram em público do amor naqueles que são, por força da desigualdade social e da exclusão, sem voz. Porque essa timidez quando a gente vê que o Papa Francisco está sendo alguém que se posiciona claramente contra um sistema que ele qualifica como um sistema que mata? Porque infelizmente, o Papa Francisco não é o Papa de muitos bispos brasileiros, eles toleram, mas não apoiam. Acham que o Papa Francisco é demasiadamente avançado. Então, por isso, não manifestam esse apoio que eu gostaria que a CNBB manifestasse sempre.

Estamos participando do 14º Intereclesial das CEBs. A Igreja da base, como poderia ajudar para que essas mudanças que o Papa Francisco tenta propor?

Frei Betto: As comunidades de base têm que crescer e isso têm que ser uma iniciativa dos leigos. Embora haja muitos padres e alguns bispos que apoiam, mas não vamos esperar que eles tomem a iniciativa sozinhos. É preciso que os leigos incrementem essa rede de comunidades, extremamente vital durante a década de 1970 e 80 no Brasil, contribuindo para derrubar a ditadura, contribuindo para a formação do PT, a CUT, o MST. Lula várias vezes repetiu  que as CEBs tiveram mais importância na capilaridade nacional do PT do que o movimento sindical, do que o movimento social.

Poderíamos dizer que com o tempo as CEBs se tornaram uma coisa mais intraeclesial?

Frei Betto: Não, as CEBs não se tornaram, as CEBs perderam o apoio nos dois pontificados conservadores, de João Paulo II e Bento XVI, e com isso os bispos recuaram no apoio. E como a Igreja tem uma estrutura vertical, autocrática, isso teve reflexo nas CEBs. Inclusive já existem estudos que demonstram que o crescimento das igrejas evangélicas tem a ver com o recuo das CEBs, enquanto os leigos encontravam nas CEBs o espaço para vivenciar sua fé e a sua prática missionária, as igrejas evangélicas não cresciam tanto. Muitos foram buscando nas igrejas evangélicas o que não encontraram mais na católica. Frente a isso, muitos movimentos conservadores dizem que foi as CEBs o que provocou o crescimento das igrejas evangélicas. Mas não é verdade, existem estudos científicos que demonstram o contrário, que o arrefecimentos das CEBs, o recuo, corresponde ao crescimento das igrejas evangélicas. Isso é fato, o fato é que as CEBs foram uma força extremamente expressiva na história do Brasil nas décadas de setenta e oitenta.