O que não estamos dizendo de nós mesmos?





Foto: Leandro Taques

Por Ana Carolina Dartora*

Girl Power, Black Lives Matter, Epowerment… Estas palavras têm sido amplamente divulgadas, suas traduções se tornaram mote principal das agendas de ONGs, empresas, Movimentos Sociais e políticos brasileiros. Poder Para as Mulheres, Vidas Negras Importam, Empoderamento, têm sido palavras significativas em denunciar exclusões, violências, fomentar protagonismos e acender a chama dos movimentos sociais.

No entanto onde surgiram esses conceitos? O que de fato significam? Em quê de fato se relacionam com a realidade brasileira? A tradução tão usada de empowerment, se desdobrou de diversas formas e em diferentes segmentos, por exemplo, empoderamento feminino, empoderamento negro, empoderamento coletivo.

Porém esta é uma dentre as categorias e abordagens que surgem num contexto capitalista, importado dos EUA e visa participação, descentralização, capital social, abordagem de direitos, que de forma explícita ou implícita estão inseridos no debate ideológico do desenvolvimento neoliberal.

De forma simples significa delegação de autoridade, de poder de decisão, autonomia e participação, porém dentro do contexto da lógica do mercado, a discussão de poder destes conceitos se restringe ao poder para competição e “autonomia” numa lógica meritocrata e individualista própria dos estadunidenses, seu uso foi resinificado, porém de uma forma mais ampla, não trata de poder de fato, não discute o poder econômico que opera para manutenção da lógica que reifica os sujeitos.

Não trata da noção de poder que é imprescindível para uma real autonomia, não podemos discutir poder, autonomia, sem antes discutir soberania dos povos.

O Brasil ainda não se entendeu de fato como parte da América Latina, lado do mundo explorado pelas hegemonias estadunidenses, europeias e monopólios transnacionais, não entendeu ainda de fato que está entre os países com maior população negra fora da África, ou seja, é um país não branco e isso tem enorme significado na geopolítica econômica.

A participação e poder para competição propostos nesses conceitos são mais um esquema para continuidade da roda de exploração econômica que sustenta tais hegemonias, não é a toa que atores sociais com ideologias, enfoques e práticas muito diversas tomam tais conceitos e vê-se uma grande falta de clareza e até confusão com o seu significado real, o que chama os perigos de cooptação, diluição e distorção dos mesmos.

Pra além disso traz exclusões, silenciamentos, invisibilidades quanto a realidade ao sul do mundo, muitos avanços temos acompanhado nas ultimas décadas, fruto da luta dos movimentos sociais, porém nenhuma mudança significativa na estrutura social, o racismo e o patriarcado ainda operam na manutenção das desigualdades.

Com o avanço do conservadorismo, e o golpe arquitetado pelo neoliberalismo aqui no Brasil, veem-se as práticas incipientes de soberania nacional e articulação com os povos Latino Americanos indo por água abaixo.

Diante do imperialismo moderno e da colonialidade ideológica, vemos a radicalidade da pauta das mulheres afrolatino-americanas e caribenhas engolida pelo poder de marketing do “Girl Power” muito eficaz em vender produtos de beleza e camisetas, enquanto a discussão de soberania, autonomia, outras formas de produção da vida, economia solidária e ecologia se tornaram uma voz tímida.

A produção intelectual de mulheres negras brasileiras, a necessidade de representação política, de distribuição de renda, de acesso a bens simbólicos e materiais esvaziada no “Black Lives Matter”, desta forma autorizamos a continuidade do colonialismo na medida em que apenas re-semantizamos esses conceitos e os incorporamos em nossos discursos e práticas.

Permanecemos numa eterna preguiça ideológica, permitindo que continuem pensando por nós, impondo a pauta de nossas agendas de maneira sutil e subjetiva, delegando nossa capacidade de falar por nós mesmos.

Permanecem sendo eles os “universais” que falam por todos, e nós os “outros”, e nesse contexto de subalternidade que se perpetua, quanto e o que de nós já deixou de ser dito? De quantos silêncios somos feitos?

* Ana Carolina Dartora é feminista negra, bacharel em História, mestre em Educação pela UFPR e militante da Marcha Mundial das Mulheres