Conto: Ordens de cima

“Quando o país mistura meu nome com o fumo do incenso, há um mendigo sentado diante da minha porta”, Brecht, em “O mendigo ou o cachorro morto”





Foto: Gibran Mendes

Por Pedro Carrano*

O velho cego, cansado de ouvir as notícias apenas pelo rádio, resolveu encontrar o presidente em quem votou a vida inteira, preso no alto do bairro que mais parece uma torre. Mancou com sua bengala até a guarida do local, onde teve de esperar. Estava diante da lei, sem saber se avançava ou ficava ali. Quero falar com o presidente,  disse. E o guarda apenas respondeu que não tinha autorização e nem poder para nada. Ordens de cima!

Entre carros e trânsito de jornalistas, o velho notou que alguém passou ao lado dele e resvalou na bengala.

– O que o velho faz aqui?

– Acredito na justiça, quero provar aos amigos que eu consigo visitar o presidente.

– Quem?

– O preso político.

– Ele é um político preso, só isso. Deixa ele lá quietinho.

– Todo o preso é por política, enfatizou o velho.

– Não, é por Justiça!! Para que a lei se cumpra neste país!

– Justiça, para quem?

– O velho vem de onde, hein?

– O senhor não conhece a gente lá de onde venho.

– Não quero e nem posso conhecer.

– Eu vou poder entrar?

– Lá em cima? Acho que nem na lista de espera.

– O país inteiro espera. Confio no meu presidente. Confio ainda na justiça!

O homem de terno impecável se afasta do velho sem terminar a prosa. O cego ainda pergunta ao guarda quem estava conversando com ele. Era o tal do cara das ordens cima.

* Pedro Carrano é poeta e jornalista