* Pedro Carrano
O Marcos está na vigília desde o começo.
Ele vive do seu equipamento de som pra eventos. No início, se quebrava com todo mundo, o mau humor transparecia. Mas tudo bem. Aos poucos foi se integrando, começou a pensar em como o som podia transmitir programas da rádio Brasil de Fato.
Às sextas-feiras, quando montamos o chamado “Luzes para Lula”, coordenávamos com ele o som, drone, os celulares e velas ressaltando os pequenos focos de chamas acesas que estão naquela esquina de Curitiba e da História.
Quando o nobre delegado Gastão, da polícia federal, teve o seu dia de fúria hollywoodiano, na típica reedição de uma sessão da tarde mal feita, Marcos e outros tentaram segurar, mas não teve jeito, o som foi destruído.
A verdade é que ninguém lembrou do Marcos na hora de escutar os dois lados. Às vezes gente como o Marcos é lembrada. Às vezes. As cartilhas e os quatro anos de curso pseudotécnico ensinam: um minuto pros palestinos, um minuto pros israelenses. E então temos a democracia consolidada e uma narrativa plural, certo? Mas na hora do fervo nem sempre se recordam disso.
O nobre delegado afinal de contas tem filhos, tem família, estava pressionado, o coitado, pelo som ininterrupto no horário comercial das 9h às 19h30. Como cidadão de bem, o delegado tomou uma atitude com as próprias mãos, em 15 segundos destruiu tudo pra ter seus bons 15 minutos de fama. Teve direito a vídeo, à voz, à explicação das suas boas razões.
Já o Marcos virou militante dos que mais se destacaram, não lamentou o atentado, mas na verdade ele carrega o seu equipamento pra onde preciso. É o ganha pão dele. Há mais de 30 dias ali, ele continuou mesmo não podendo usar o equipamento no qual é especialista.
Ninguém registrou ou lembrou-se do Marcos, trabalhador negro, se bobear ele sairia até de culpado na história, pois sabemos que Marcos e todos nós fomos brutos e mal educados ao tentar segurar o nobre delegado que invadia e destruía.
Mas ao menos o Marcos segue ali conosco, sorriso no rosto, defendeu o seu, mas ninguém se lembrou de entrevistá-lo!
Nossa história (ainda) se interessa apenas pelos heróis delegados.
* Pedro Carrano é poeta e jornalista