Javi Poves, o “futebolista antisistema”





Javi Poves. Foto: Reprodução Youtube

“Em vez de hostilidade pelas ruas, o que se deve fazer é ir aos bancos e queimá-los. É preciso cortar cabeças. A sorte dessa parte do mundo é a desgraça do resto”. Essa frase foi dita por um jovem espanhol com uma história pouco peculiar em um meio onde não se tem por costume a propagação de frases nesse tom.

O autor desta convocação inflamada é o ex-jogador de futebol profissional Javier Poves Gómez, 31 anos, que iniciou nas categorias de base do Atlético de Madri e assinou seu primeiro contrato profissional com o Rayo Vallecano, coincidentemente o time mais à esquerda do futebol espanhol.

Com carreira promissora, o ex-zagueiro – que ficou conhecido como o “futebolista antisistema”- largou o esporte profissional de forma prematura, então com 24 anos, por  considerar-se na contramão de toda a lógica atual do futebol moderno. Poves disputou apenas uma temporada da liga espanhola pelo Sporting Gijón.

Na época sua decisão pegou de surpresa muitos comentaristas esportivos, mas não surpreendeu companheiros de clube que sempre consideraram o “bequão” meio “estranho”. Imagine a reação da boleirada ao ver o zagueiro central lendo o extenso O Capital, de Karl Marx, durante a concentração para uma partida. Pois é, era assim que o jogador passava os tempos que antecediam as partidas: lendo livros sobre política e teoria econômica.

O que dizer do episódio do pagamento de um de seus salários. Ao entrar no escritório financeiro do clube, Poves pediu que seu salário fosse entregue pessoalmente em mãos, sem depósito bancário. Questionado, disparou: “Não quero que especulem com meu dinheiro por um segundo qualquer. Não penso em usar um banco”. Em outra oportunidade dispensou um carro de premiação afirmando que já teria carro e não necessitaria de mais um.

Poves sempre posicionou-se sobre questões políticas, contrariando a atual lógica de que esporte e política não devem se misturar. Como quando do surgimento do M-15, movimento nascido em 15 de maio de 2011 e criado por jovens que ficaram conhecidos como os “indignados espanhóis”. Do movimento, que nasceu como sendo “apolítico”, surgiram novos atores como o partido Podemos.

À época a leitura do zagueiro do Gijón foi a seguinte: “O movimento foi criado pelos meios de comunicação com o propósito de canalizar o mal estar social que poderia se converter numa perigosa e incontrolável reação popular contra o sistema para uma mudança mais radical do capitalismo”, disse o futebolista que desacreditava que ‘vias pacíficas’ pudessem promover transformações mais radicais no atual sistema.

Poves se desligou e rescindiu o contrato com o Gijón no fim de julho de 2011 às vésperas da pré-temporada. Na oportunidade, ele declarou que iria se dedicar aos estudos e que pretendia se formar em história. Ideologicamente, Javi Poves sempre dispensou rótulos: “Me perguntam se sou de direita ou de esquerda. Não sou nada, sou antisistema, sou antitudo isso”.

Em 2016, Poves e Dáni Marquez, outro ex-jogador que abandonou os gramados de forma prematura, fundaram o Móstoles Balompié, clube focado na formação pessoal e esportiva de jovens. Segundo eles, o objetivo foi criar uma equipe de futebol “diferente” onde pudessem repassar valores em desuso no futebol atual.

Questionado hoje em dia sobre a decisão de ter largado o futebol profissional aos 24 anos, o atual dirigente do Móstoles diz não ter se arrependido, afirmando que “ainda que o futebol lhe desse dinheiro, não era feliz”. Mas a paixão pelo esporte nunca findou, o que fez que criasse um clube focado na formação de atletas.

Quando retirou-se do futebol profissional e passou a viajar o mundo, Poves declarou: “Quero conhecer o mundo de verdade, saber o que há. Não quero viver prostituído como 99% de todas as pessoas. Se não posso ter uma vida limpa na Espanha, que eu tenha na Birmânia ou onde quer que seja”. Mais uma frase surreal no mundo superficial e sedutor dos garotos-propaganda de cabelos espalhafatosos e chuteiras multicoloridas.