Audiência aponta caminhos para solucionar impasse entre prefeitura e artistas de rua

Artistas apontam que nova regulamentação não deve ser feita por decreto e sugerem emendas à lei atual





Rafael Strapasson representou os artistas na mesa e defendeu a livre expressão dos profissionais. Foto: Julio Carignano

A Câmara Municipal de Curitiba realizou nesta quarta-feira (20) uma audiência pública para debater o trabalho dos artistas de rua na capital. A reunião convocada pelo vereador Mestre Pop (PSC) foi motivada por dois decretos do prefeito Rafael Greca com novas normativas para a atividade que geraram contrariedade dos artistas sob alegação que limitam o trabalho da classe.

O primeiro decreto foi publicado em dezembro de 2018, às vésperas do recesso parlamentar, sem qualquer debate com os principais interessados. Diante da pressão e protestos, a prefeitura voltou atrás e anulou o primeiro decreto. Um novo documento foi divulgado em 15 de fevereiro, porém sem ainda atender as principais reivindicações dos artistas e antes da realização da reunião pública que já estava previamente agendada.

Coube a procuradora do Município, Claudine Camargo, esclarecer os motivos da antecipação deste decreto. Segundo ela, a segunda normativa atendeu reivindicações apresentadas em reunião do Conselho Municipal de Cultura com representantes dos artistas de rua. Sobre a publicação antes da reunião, ela alegou que a intenção era “matar o quanto antes a normativa anterior” para prevenir problemas com novas fiscalizações.

A principal mudança entre um decreto e outro foi sobre a permanência dos artistas nos logradouros públicos. A normativa de dezembro previa que a permanência não poderia ultrapassar 4 horas diárias, podendo o artista permanecer no máximo 2 horas em cada local. Já no decreto de 15 de fevereiro o Executivo revogou esse item e apontou que apresentações nas ruas podem ocorrer entre as 8h e as 22h.

Outro ponto de polêmica é a limitação de decibéis dos sons produzidos pelas atividades. Algo que segundo a procuradora é “inegociável”. Os artistas alegam que o item não foi estudado e que a prefeitura não poderia ter se baseado na potência via Watts. “O que deve ser levado em conta não é a potência de uma caixa em Watts, pois isso tem relação com qualidade do som e não com tamanho do ruído. Você pode ter uma caixa com 100 watts – que pela qualidade dela – não precisaremos aumentar o máximo o volume para o som ficar de qualidade. Enquanto você pode ter uma caixa com 20 watts, respeitando o que diz essa normativa, mas que teremos que erguer ao máximo o volume para ter alguma qualidade. Então é muito relativo”, alegaram os músicos presentes.

Confusão

A reunião transcorria normalmente até que surgiu na pauta o pleito dos artesãos das feiras do município. Representados pela vereadora Julieta Reis (DEM), que é “madrinha” da Feira do Largo da Ordem, a classe alegou algumas dificuldades dos feirantes na convivência harmoniosa com os artistas de rua. A vereadora alegou que “o espaço urbano é todos e que uma atividade não poderia se sobressair em relação a outra”. A partir daí ouve  tumulto e a audiência precisou ser interrompida. Julieta Reis discutiu com alguns artistas presentes e se retirou do auditório acompanhada pelos artesãos, que alegaram desrespeito dos artistas de rua.

Vereadora Julieta Reis se retirou da audiência acompanhada de artesãos. Foto: Julio Carignano

Acalmados os ânimos, a audiência seguiu com argumentações da diretora do Departamento de Pesquisa e Monitoramento da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Érica Mielke. Ela retomou o debate sobre a aferição do som emitido em contraste ao chamado “ruído branco”, que são os sons comuns do ambiente urbano, como carros, buzinas e pedestres.

“Armadilhas”

Manoel Neto, da Ordem dos Músicos do Brasil, mediou a audiência. Ele apontou que a construção de leis em Curitiba historicamente criou a discriminação de determinados grupos na sociedade. “Essa somatória de leis vai levando à dificuldade do desenvolvimento da cultura. São impensáveis algumas das legislações que existem em Curitiba”, reclamou.

Para o advogado Elias Mattar Assad, o novo decreto apresenta armadilhas no texto e deveria ser revogado. “Quando eu li esse decreto eu imaginei que vocês [artistas] seriam os Smurfs e o decreto foi feito pelo Gargamel”, disse o advogado referindo ao prefeito Rafael Greca como o vilão do desenho animado que persegue os pequeninos azuis.

Rafael Strapasson representou os artistas na mesa de honra da audiência e defendeu a “livre expressão dos profissionais e o direito da população ao acesso à cultura”. Outros artistas também relataram durante na audiência abusos cometidos pelos fiscais.

Alteração da lei

Idealizador da audiência, o vereador Mestre Pop afirmou que toda polêmica poderia ter sido evitada caso a prefeitura tivesse desde o primeiro momento debatido junto aos artistas de rua. “Convidaram várias secretarias para discutir essa normativa, mas os artistas não. Entendi esse decreto do fim do ano como um ‘tratoraço’, pois foi feito perto do recesso, quando os vereadores já não poderiam debater. Acho que essa audiência realmente é a primeira reunião com participação de todos os envolvidos”, comentou.

Autor da Lei 14.701/2015, que regulamenta a atividade dos artistas de rua, Pop sugeriu a apresentação de emendas à legislação. Para ele, uma nova regulamentação não deve ser feita por meio de decretos. Esse foi o principal encaminhamento da audiência. Os artistas solicitaram a ata da reunião do Conselho Municipal de Cultura que definiu as regras da segunda normativa e cobraram a participação da Comissão de Cultura da Câmara de Vereadores no acompanhamento da situação.

Abaixo assinado

Ao fim dos debates, os artistas apresentaram um abaixo assinado contendo 18 mil assinaturas de populares em apoio à classe. O documento foi entregue à Câmara por Carlos Alberto Gomes, o ‘Palhaço Chameguinho’, artista que permaneceu 22 dias acorrentado na Rua XV em protesto contra a nova normativa. “Não conseguimos a vitória completa, mas derrubamos o decreto 1422. Agora entregamos 18 mil assinaturas de gente que apoia a arte e cultura. Curitiba não quer ficar sem arte, Curitiba não quer ficar sem cultura. Curitiba quer sorrir”.

Chameguinho entregou abaixo assinado com 18 mil assinaturas de apoio aos artistas de rua. Foto: Julio Carignano

O artista que trabalha há 30 anos na Rua XV no papel de “sombra” cobrou respeito da prefeitura. “Assim como um comerciante, eu também pago meus impostos, eu também tenho meus direitos na cidade. Tenho um recado a Fundação Cultural de Curitiba, prazer em conhecê-los depois de 30 anos. Depois de 30 anos trabalhando no mesmo lugar é a primeira vez que conheço alguém da Fundação Cultural de Curitiba”.

Para terminar, Chameguinho também criticou o prefeito Rafael Greca. “Dizem que ele gosta de arte, de cultura. Mas que arte ele gosta? A de terno e gravata? Pois então a partir de sábado vou começar a trabalhar de terno e gravata. Amanhã mesmo vou passar num brechó pra comprar”, concluiu com aplausos do público presente na audiência.