Espanhóis votam por um governo de esquerda

A eleição do dia 28 representa a aposta dos trabalhadores e jovens em um governo de enfrentamento às políticas de austeridade da União Europeia e do FMI




FonteAndré Machado*

Espanhóis elegem a esquerda. Foto: Eva Ercolanese/PSOE

Cheguei à Barcelona uma semana antes das eleições nacionais espanholas, que ocorreram no último dia 28 de abril. Como alguém dedicado à política, me interessei mais pelo debate eleitoral do que pelas rotas de turismo.

Para um brasileiro, a sensação da campanha nas ruas parecia ser de desinteresse: não havia panfletos, santinhos, carros com adesivos perfurados, bicicletas com jingles e aquela infinidade de rostos de candidatos ao parlamento e ao governo, como vemos por aqui nesses períodos. Apenas bandeiras penduradas nas janelas dos apartamentos e cartazes em espaços publicitários pagos, nos postes e alguns poucos colados nas paredes pela cidade, com a propaganda das chapas concorrentes e das principais lideranças de cada partido.

Todavia, bastou sentar para conversar com o primeiro catalão, em uma “bodegueta” no bairro Sants, para perceber que este desinteresse era apenas aparente. Em geral, as pessoas acompanham o debate político através dos jornais, nos quais, mesmo com suas inclinações editoriais, há uma cobertura séria de cada partido e dos embates eleitorais. As redes de televisão também seguem essa linha e realizam debates entre os partidos em horários atrativos para a audiência.

O modelo eleitoral espanhol também contribui bastante para a seriedade do debate. Diferente do Brasil, em que as pessoas votam em candidatos, muitos dos quais escondem suas siglas partidárias e seus verdadeiros compromissos, valendo muito mais o prestígio pessoal ou a capacidade de financiamento milionário da campanha do que o projeto político, lá os eleitores votam em listas partidárias pré-ordenadas pelos partidos. Assim, as pessoas votam em um programa, que precisa ser evidenciado para atrair os eleitores, tornando os nomes da lista uma questão secundária nesta decisão. Os milhares de santinhos sem conteúdo e com sorrisos de lagarto que existem por aqui, lá são substituídos por um debate sério sobre os rumos do país.

Em Barcelona, do dono da bodegueta do Sants aos jovens do centro comunitário autogestionado Can Batlló, o medo mais evidente era uma vitória eleitoral do partido de extrema-direita, o Vox. Diziam que o comparecimento às urnas era uma obrigação para barrar os fascistas (franquistas). O resultado do dia 28 mostrou que, de fato, houve uma maior mobilização do eleitorado às urnas: aumentando a participação de 66,48%, em 2016, para 75,75%.

O grande vencedor da eleição foi o tradicional partido da esquerda espanhola, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), que atualmente governa a Espanha com o presidente Pedro Sanchez, aumentando a sua bancada no Congresso de 85 para 123 deputados, de um total de 350.

Entretanto, o voto no PSOE foi carregado por um forte conteúdo de mudança. Na comemoração do resultado, milhares de pessoas, nas ruas das principais cidades espanholas, gritavam: “¡Con Rivera, no! ¡Sí se puede!”. Albert Rivera é o líder do partido de direita Ciudadanos, que conquistou 57 cadeiras no parlamento e assumiu um protagonismo no discurso mais radical contra a esquerda nestas eleições. Foi Rivera que, em 2016, costurou um acordo com Sanchez, em nome da governabilidade e de uma maioria parlamentar, no qual o presidente socialista assumiu diversos compromissos para manter as políticas de austeridade exigidas pela União Europeia. Agora, com o resultado eleitoral do dia 28, permitindo que Sanchez não precise da direita para ter a maioria do parlamento (123 do PSOE, 42 do Podemos e 15 da ERC), a expectativa dos eleitores do PSOE é de que haja a disposição das suas lideranças em formar um governo pela esquerda.

O Vox, a ultra-direita aliada de Bolsonaro, conquistou apenas 24 cadeiras no parlamento espanhol (7,15%), muito abaixo do que esperavam. O Partido Popular (PP), tradicional partido neo-franquista, sofreu a sua pior derrota da história, perdendo 71 deputados (de 137 para 66). Na esquerda, o Podemos também reduziu muito a sua representação, perdendo 29 deputados (de 71 para 42), o que significa que parte considerável de seus eleitores migrou seu voto para o PSOE, em busca de uma vitória massiva sobre a direita e a monarquia. Na Catalunha, onde o Podemos governa a capital, Barcelona, parte de seus votos foram atraídos para a Esquerda Republicana (ERC), por conta das lutas pela autodeterminação da região e contra a prisão política de lideranças do movimento independentista, crescendo de 9 para 15 deputados.

A eleição do dia 28 representa a aposta dos trabalhadores e jovens em um governo de enfrentamento às políticas de austeridade da União Europeia e do FMI, visando gerar empregos, ampliar direitos e radicalizar a democracia. O sucesso eleitoral do PSOE e das forças de esquerda é a expressão de que os trabalhadores e a juventude do Estado espanhol estão dispostos a frear o crescimento da extrema-direita fascista no país, o que representa, mundialmente, uma força real de transformação popular, influenciando também por aqui no enfrentamento ao governo Bolsonaro.

*André Machado é presidente municipal do PT e suplente de deputado federal.