O presidente Jair Bolsonaro preside Solenidade de Lançamento de Linha de Crédito do BNDES para Organizações Filantrópicas. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Joaquim Levy pediu demissão da presidência o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) no dia 17 de junho após o presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PSL) dizer que ele estava com a corda no pescoço. A ameaça ocorreu porque Levy, que serviu ao governo da ex-presidente Dilma Rousseff, não estaria abrindo a “caixa-preta” do BNDES com relação aos empréstimos feitos a países sul americanos, caribenhos e africanos que eram aliados do governo do PT. Contudo, tantos os valores desses contratos, as obras e os locais estão disponíveis para acesso de qualquer cidadão no próprio site do banco.

Ao longo de 21 anos (1998 a 2019), o BNDES já destinou US$ 10,49 bilhões de dólares para 15 países considerados estratégicos para o Brasil em suas relações comerciais e de desenvolvimento. Desse valor, apenas US$ 518 milhões de dólares estão em atraso. O que representa cerca de 5% dos contratos. É o que aponta o setor de transparência do banco no segmento “Apoio à exportação de serviços de engenharia”.

Bolsonaro ignora dados públicos e CPI do BNDES para insistir que banco tem caixa-preta. Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

Nessa página, o BNDES explica que “os recursos são destinados ao exportador brasileiro de bens ou serviços, em reais, com desembolso no Brasil após a comprovação das exportações brasileiras.  O devedor é o importador, ou seja, a empresa ou país estrangeiro que compra o bem ou serviço. Em caso de inadimplência do devedor, a estrutura de garantias é acionada e o BNDES é ressarcido como, por exemplo, pelo Fundo de Garantia à Exportação (FGE)”.

Os contratos foram firmados a partir do segundo governo do tucano Fernando Henrique Cardoso (1998), nos dois governos dos petistas Lula (2002 a 2010) e Dilma Rousseff (2011 a 2016) e do emedebista Michel Temer (2016 a 2018. Nesse período, só houve a suspensão de desembolsos a empreiteiras envolvidas com corrupção em 2015.

“O Banco impôs como condição que a empreiteira brasileira e o governo ou empresa do país estrangeiro importador assinassem uma declaração (chamada “Termo de Compliance”) concordando com a aplicação de punições em caso descumprimento de finalidade do contrato e de aplicação dos recursos do financiamento. Esses procedimentos, entre outros, constam de Plano de Ação acordado com o TCU e servirão de base para a análise de futuras operações”, explica a página da transparência.

Foram suspensos 25 projetos. Entre eles. o Aeroporto de Havana, estimado em US$ 150 milhões. Com a Venezuela foram suspensos sete projetos, sendo o mais caro o da Siderúrgica Nacional, avaliado em US$ 865 milhões.

Por outro lado, o apoio às exportações é muito inferior ao dado à infraestrutura nacional. Segundo os dados, o apoio à exportação de bens e serviços de engenharia representou, entre 2003 e 2018, 1,3% do total desembolsado pelo BNDES enquanto investimentos em infraestrutura, no mesmo período, responderam por 36%.

O então presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social, Joaquim Levy, fala após recebe o cargo de seu antecessor, Dyogo Oliveira, em cerimônia realizada na sede da instituição, no Rio. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Devedores
Apenas três países estão devedores ao BNDES dos 15 que estabeleceram contratos de engenharia. São eles Venezuela, Moçambique e Cuba. O país vizinho  em crise já emprestou US$ 1,5 bilhão e já pagou US$ 438 milhões. No entanto, tem em atraso outros US$ 352 milhões com o BNDES.

No caso da ilha caribenha, dos US$ 656 milhões recebidos para financiar projetos, já foram pagos US$ 506 milhões. Foco de críticas, o contrato com o Porto de Mariel, celebrado em 3 de fevereiro de 2009, consta na íntegra no site de Transparência do BNDES. No contrato, o BNDES registra que aprovou em outubro de 2018 “uma linha de crédito no valor de US$ 150 milhões destinada a financiar a exportação de bens e serviços brasileiros para a República de Cuba no âmbito do protocolo da linha de crédito”. O banco ainda aprovou colaboração financeira de até US$ 43,35 milhões “com a cobertura de Seguro de Crédito à exportação para, mediante desconto de carta de crédito, financiar exportações”.

Contrato para a construção do Porto de Mariel é acessível para qualquer cidadão.

Os contratos ainda têm dois aditivos epistolar e cinco etapas das obras de ampliação e modernização do Porto Mariel e de sua infraestrutura de acesso. O valor total da obra chegou a US$ 682 milhões, sendo conduzido pela Odebrecht com pagamento até 2034. Em dezembro de 2018, Cuba, que deixou de fazer os pagamentos, passou a dever US$ 40 milhões.

Dívida, aliás, que não atrapalhou o lucro do banco. Em nota publicada em março de 2019, ou seja, ainda na presidência de Joaquim Levy, o banco informou que o BNDES registrou lucro líquido de R$ 6,7 bilhões no ano passado. O aumento de 8,5% no lucro líquido explica-se principalmente pelo aumento da venda de participações societárias.

“As provisões em 2018 somaram R$ 5,9 bilhões, decorrentes principalmente de R$ 2,2 bilhões associados aos empréstimos para a Venezuela e R$ 2,2 bilhões associados aos empréstimos para Cuba, inadimplentes”, torna público o banco.

Transparência e fake news
Ainda em 2016, no auge dos pedidos de impeachment da presidente Dilma Roussef, o BNDES divulgava nota contra as alegações de que o banco estava “financiando ditaduras”. O tema, portanto, explorado pelo presidente Jair Bolsonaro atualmente, já era desmentido há três anos.

“O BNDES não envia recursos para fora do país. Os desembolsos de seus financiamentos a exportação são realizados no Brasil e em reais, após a comprovação por meio de documentos de que a exportação dos bens ou serviços correspondentes foi efetivamente realizada”.

Em resposta à advogada e atualmente deputada estadual Janaína Paschoal (PSL/SP), aliada do presidente Jair Bolsonaro e responsável pelo pedido de impeachment, o banco argumentou que não existem contratos sigilosos. Janaína disse, em comissão especial da Câmara, que não entendia por que essas remessas eram feitas sob sigilo.

Para o banco, no entanto, o “BNDES não possui operações sigilosas. Todas as operações, inclusive aquelas referentes aos créditos destinados a apoiar exportações de bens e serviços brasileiros em obras de engenharia em Cuba e Angola, estão disponíveis para consulta por qualquer cidadão por meio do site do Banco”.

Mesmo passado três anos ainda paira entre os bolsonaristas a tentativa de dizer que existe uma verdadeira “caixa-preta” em contratos que são públicos e não são considerados ilícitos.

Hoje, 24 de junho, a CPI do BNDES, criada em 12 de julho de 2015, há quase quatro anos, realiza mais uma reunião para a tomada de depoimento do executivo da Odebrecht, Ernesto Sá Vieira Baiardi, e  do ex-ministro da Fazenda, Joaquim Vieira Ferreira Levy.