Bolsonaro quer licença para matar manifestantes

Presidente sugeriu excludente de ilicitude para combater manifestações





Foto: Reprodução YouTube

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sugeriu que o Congresso Nacional que aprove o excludente de ilicitudes dentro da GLO –  Garantia da Lei e Ordem. O presidente quer autorização para que seja possível usar armas letais contra manifestações que o governo considerar “terroristas”. A intenção surgiu após a esquerda sinalizar que os brasileiros também devem se manifestar como os chilenos, colombianos e bolivianos que tem ido às ruas. O posicionamento do presidente foi reforçado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que sugeriu a retomado do AI-5, ato que fechou o Congresso Nacional e retirou garantias constitucionais. 

Os pronunciamentos geraram reações na sociedade. O ex-presidente Lula (PT), principal alvo da ira de Bolsonaro, defendeu a democracia. “Eu participo da política desde 1975 e vocês nunca me viram incitando quebra quebra. Essa gente se ver o povo na rua fazendo procissão carregando vela vai dizer que a Igreja Católica tá querendo botar fogo no país. O povo tem direito de se manifestar”, disse em sua conta no Twitter.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), criticou a tentativa de banalização do AI-5 por parte do governo. “Não dá mais para usar a palavra AI-5 como se fosse bom dia, boa tarde, oi, cara”. O recado foi dado a Paulo Guedes.

A reportagem conversou com Fabio Soler Fajolli, advogado criminalista, mestrando em direito penal pela PUC/SP e especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra (Portugal). Questionamos ele sobre a possibilidade de o governo usar força excessiva contra manifestantes. Também perguntamos sobre o Pacote Anti Crime do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Após proibição da Justiça, Moro tem divulgado o pacote por meio do Twitter com postagens de apoio ao pacote. Para Fábio, “pode-se entender que se trata sim de uma manobra para contornar a suspensão do TCU e continuar na divulgação do pacote”. Confira entrevista.

O excludente de ilicitude foi retirado das 10 medidas contra a corrupção pelos deputados por considerarem inconstitucional?
Fabio Soler Fajolli:  Sim, é inconstitucional. Em que pese não exista certeza se fora retirada por este motivo, a nossa análise aponta para este fator de inconstitucionalidade.

A campanha do governo sobre o pacote foi proibida pela justiça. Agora, Moro a divulga como se fosse apoio da sociedade. Ele não encontrou um mecanismo de burlar a justiça?
Fabio Soler Fajolli: O TCU suspendeu a campanha publicitária de Moro pelo pacote anti crime sob fundamentos de que a Secretaria de Comunicação do governo Bolsonaro deveria apresentar o fundamento legal para a realização da publicidade, o custo detalhado da iniciativa e os documentos relativos ao processo licitatório.

Pode-se entender que se trata sim de uma manobra para contornar a suspensão do TCU e continuar na divulgação do pacote.

Atualmente, o que define a GLO com relação às manifestações populares?
Fabio Soler Fajolli: No início de 2014, o Ministério da Defesa publicou o Manual de GLO, que indica de maneira expressa, com relação à manifestações populares, que a intensidade e a amplitude no tempo e no espaço do emprego da força deve se limitar ao mínimo indispensável e, o uso da força nas operações GLO, em princípio, será progressivo, devendo ser priorizada a utilização de munição não-letal e/ou de equipamentos especiais de reduzido poder ofensivo.

A lei foi aprovada para garantir a segurança durante a Copa e as Olimpíadas. Bolsonaro está querendo transformá-la para intimidar manifestações contra o seu governo?
Fabio Soler Fajolli: A proposta de Bolsonaro visa proteger a sua classe (os oficiais), abrangendo as situações de configuração para a legítima defesa.

Em que pese tal fundamentação seja válida, é inegável que a proposta tem um cunho intimidatório contra os opositores do governo, vez que abre “brechas” interpretativas na identificação de atos terroristas e, ainda, situações que demandem a GLO.

Foto: Marcos Corrêa/PR

Ao associar o excludente à GLO, Bolsonaro e Moro querem, na prática, licença para matar?
Fabio Soler Fajolli: A proposta de aplicação da excludente de ilicitude em casos de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), ocorre fatalmente uma flexibilização para atuações extensivas (e até mesmo, letais). Isso porque, com a proposta, aumenta-se a liberdade para os oficiais identificarem  (de forma subjetiva e interpretativa) uma situação em que seja necessário a garantia da ordem. 

Então não se trata de licença para matar, mas sim de uma facilitação para a configuração da legítima defesa (que consequentemente autoriza, sim, matar).

Se a lei existisse em 2015, por exemplo, a PM poderia usar bala de verdade contra o funcionalismo no 29 de abril?
Fabio Soler Fajolli: Mesmo hoje, a lei não autoriza a utilização de munição letal na maioria das situações, inclusive contra o funcionalismo de 29 de abril. A proposta é clara no sentido de que a Polícia Militar não responderá (graças à excludente de ilicitude) apenas nos casos previstos em lei, isto é, uma vez constatado que o agente atuou em legítima defesa.  

Partindo de uma análise focada nos atos do funcionalismo, do dia 29 de abril, a legítima defesa se verificaria (e assim, autorizaria o funcionário a utilizar munição letal) caso os manifestantes portassem arma de fogo (representando perigo legítimo para a tropa policial), praticassem atos que evidenciassem a prática ou iminência de prática de atos de terrorismo (ou seja, violência generalizada explícita), que pudessem causar alguma morte ou lesão corporal. Inexistindo essas circunstâncias, o policial militar irá responder por abuso caso cometa alguma ilegalidade (como utilizar a munição letal).

29 de abril de 2015. Governador Beto Richa reprime violentamente os servidores públicos, em sua maioria educadores, que protestavam em Curitiba contra o fim da Previdência. Foto: Joka Madruga/APP-Sindicato

Qualquer ato político como ocupação de terras e a que ocorreu no Congresso contra Dilma pode ser considerado terrorismo?
Fabio Soler Fajolli: Atos de terrorismo são atos violentos (seja a violência física ou psicológica) cometidos por pessoas ou grupos a fim de causar medo e danos materiais a um Estado ou uma população. Assim, nem todo ato político pode se enquadrar como um ato de terrorismo. Caso determinada ocupação ocorra de forma pacífica, não há que se falar em ato de terrorismo. Todavia, alguns podem sim serem considerados dessa forma, desde que identificados os elementos mínimos caracterizadores do terrorismo.

Um regime de governo também pode ser considerado terrorismo, quando este se caracteriza por ameaçar e amedrontar constantemente os cidadãos daquela sociedade.