Apontado como torturador pela CNV, ex-militar processa jornalista alegando “dano moral”

Aluizio Palmar está sendo processado por denunciar crimes cometidos pelo advogado Mario Espedito Ostrovski, ex-tenente do Exército





Advogado Mario Espedito Ostrovski foi citado no relatório da CNV. Foto: OSFI/Divulgação

O jornalista e ativista dos direitos humanos Aluízio Palmar, está sendo processado pelo ex-tenente do Exército Brasileiro, Mario Espedito Ostrovski. Advogado em Foz do Iguaçu (PR), Ostrovski é citado como torturador no livro Brasil Nunca Mais (1985) e no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (2015) por ter praticado crimes de tortura em 1969 quando atuava no Primeiro Batalhão de Fronteiras, localizado em Foz do Iguaçu.

O motivo do processo contra o jornalista decorre do mesmo ter publicado os crimes praticados por Ostrovksi. Palmar, que lutou em movimentos da resistência à ditadura militar, é responsável pelo site Documentos Revelados, que reúne um dos maiores acervos de documentos referentes ao período da ditadura no Brasil e outros países da América Latina. Palmar também é autor do livro “Onde foi que vocês enterraram nossos mortos”, que sintetiza sua busca pelos mortos da Chacina de Medianeira (1974), no qual Ostrovski também citado.

Fonte: Documentos Revelados

As primeiras notícias sobre as torturas praticadas por Mario Espedito Ostrovski ocorreram em 1985, quando veio a público o relatório do projeto Brasil Nunca Mais, coordenado pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel e pelo pastor presbiteriano Jaime Wright. No mesmo ano, as acusações contra Ostrovski foram matéria de capa do jornal Correio de Notícias, de Curitiba, levando o então governador do Paraná, José Richa, anunciar a sua exoneração da chefia da Assessoria de Segurança e Informações da Copel (veja ao lado).

O nome de Ostrovski também foi citado por quatro ex-presos políticos durante Audiência Pública da Comissão Nacional da Verdade, realizada em Foz do Iguaçu no ano de 2013. Um dos relatos mais impactantes foi da professora Izabel Fávero, que trabalhava em uma escola rural no interior do Paraná. Então grávida de dois meses, Izabel foi levada para o quartel em Foz do Iguaçu. Espedito lhe aplicou choques elétricos nos mamilos, genitália e nas extremidades do corpo. As sessões de tortura a levaram a ter um aborto. Em seu relato, Izabel relatou que após o aborto sangrou por dias sem a possibilidade de fazer qualquer tipo de higiene. Seu marido, Luiz Fávero, também foi preso e torturado.

Após as denúncias feitas na audiência na Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, militantes realizaram uma “escracho” em frente ao escritório onde Espedito trabalhava. O ato contou com o apoio do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), presidido na ocasião por Palmar. “Fizemos então essa denúncia em forma de protestos para expor à todas as pessoas que esse homem, membro da Ordem dos Advogados do Brasil, ‘dócil’, na verdade é um torturador que cometeu crimes no 34º Batalhão de Infantaria do Exército. E como todo criminoso deve ser julgado”, relatou na época o jornalista.

Antes da manifestação, Ostrovski havia sido intimado duas vezes para comparecer à Audiência da Comissão Nacional da Verdade mas, assim que recebeu as convocações, fugiu para o Paraguai. A CNV chegou a abrir inquérito na Polícia Federal contra Ostrovski pelo crime de desobediência, por ter se recusado a comparecer nas audiências sem apresentar justificativas. A Comissão ainda fez um pedido de condução coercitiva contra ele e outros agentes, negado pela 3ª Vara Criminal Federal de Foz do Iguaçu.

Reação

Jornalista Aluizio Palmar. Foto: Júlio Carignano

Diante da informação do processo movido por Ostrovski, que pede uma indenização de R$ 39.920,00 por “danos morais”, entidades se manifestaram em solidariedade ao jornalista Aluízio Palmar e em repúdio à impunidade ao ex-agente da repressão. A Associação Nacional de História (ANPUH) divulgou nota relatando indignação diante da ação judicial que busca responsabilizar Palmar, que apenas publicizou uma denúncia amplamente noticiada à época. “Temos clareza que isso se relaciona com a manutenção da impunidade, amplamente defendida pelo governo atual. Ao invés de cumprir as recomendações da Comissão Nacional da Verdade, o Estado vem acolhendo medidas que apagam a Ditadura e transformam os algozes em vítimas”.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (SindijorPR) também manifestou-se em repúdio à ação motiva contra Aluízio Palmar. “É inaceitável que um jornalista seja processado por simplesmente divulgar informações que são públicas, que estão no relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de 2015. É uma clara tentativa de intimidação e de cerceamento do exercício profissional. Uma tentativa de calar um jornalista com um histórico de luta em defesa dos direitos humanos. Uma ação judicial que merece nosso repúdio”, afirmou o jornalista Gustavo Vidal, que preside a entidade.

Confira abaixo o depoimento da Izabel Fávero, em 2013, na Câmara Municipal de Foz do Iguaçu.

Após a audiência pública, militantes fizeram uma manifestação em frente ao escritório onde Ostrovski trabalhava.