O CoronaVírus e a urgência do pensamento interseccional





por Ana Carolina Dartora*

Quem articula o pensamento político expressando as desigualdades sociais que são estruturadas por gênero, raça e classe, dificilmente ainda foi acusado de ser “identitarista”, termo que virou arma de defesa, pra quem ainda não conseguiu entender a grandeza e avanço do pensamento interseccional, ou de racista e machista mesmo, que não admite a existência do outro e da outra em todas as suas especificidades.

No campo político, a satanização das pautas acusadas de identitárias foi uma estratégia de comunicação especialmente usada pelo bolsonarismo, que precisava de um inimigo a ser satanizado para construir a sua própria identidade, e nós feministas e negras ou feministas interseccionais estamos entre os satanizados.

No entanto a verdade é que não existe discurso neutro, despersonificado, neutralizar ou relativizar para se colocar num lugar menos individualista é se supor universal e invisibilizar o outro.

Identitário mesmo é quem acha que fala por todo mundo!

É isso que o coronavírus veio mostrar, ele nos bateu como uma marreta e derrubou o reboco das paredes revelando com força o que denunciamos a tanto tempo, as desigualdades gritantes de gênero, raça e classe.

Revelou a forma como estruturas políticas e econômicas afetam, e matam populações que vivem em condições precárias. 

Cada vez que se pensa uma ação para combater o vírus, milhares de problemas surgem.

1° Orientação, lavar constantemente as mãos: 

Porém 35 milhões de brasileiros não tem acesso a água potável, e quem são em maioria? Negros, mulheres, pobres.

2° Orientação, trabalhar em casa:  

A pandemia nos encontrou num péssimo período da economia, informalidade e desemprego altíssimos, quem poderá trabalhar em casa? Inúmeros trabalhadores informais como os dos aplicativos estão nas ruas entregando comida aos resguardados, transportando pessoas de um lado para o outro. Fora isso são cerca de 27 milhões de residências sem acesso à internet. Também existem aqueles que não têm casa, moradores de rua.

E quem são em maioria? Negros, mulheres, pobres.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, as mulheres representam 70% dos profissionais na linha de frente de combate ao vírus, sendo vulneráveis à infecção e ao estresse, pois as profissões ligadas ao cuidado ainda são vistas como profissões de mulheres.

Existe notícia de empregadas domésticas sendo obrigadas a trabalhar na casa de patrões doentes.

Enfim, corpos já foram escolhidos para sobrevivência, enquanto outros estão sendo jogados à própria sorte.

Negros, mulheres, pobres! 

Ana Carolina Dartora é feminista negra, bacharel em História, mestre em Educação pela UFPR, Secretária de Mulheres e Direitos LGBTI APP-PR e militante da Marcha Mundial das Mulheres.