Da França, jornalista brasileira denuncia ataques à democracia brasileira





Erika Campelo, a segunda da esquerda para direita, em maio de 2019, durante debate sobre mulher e política com a deputada Talíria Pétrone, a senadora francesa Laurence Cohen e a filósofa Djamila Ribeiro. Foto: Acervo Pessoal.

Auxiliar na compreensão de um país tão complexo quanto o Brasil. Esta foi a principal motivação da jornalista brasileira radicada na França, Erika Campelo, quando criou ainda em 2003 o site Autres Brésils (www.autresbresils.net) em parceria com dois  amigos franceses, interessados pelo Brasil. Por entender que havia pouca informação consistente sobre o País na mídia francesa, o site passou a traduzir artigos e trabalhar de forma articulada com os veículos de comunicação daquele país para mostrar faces até então desconhecidas do maior país da América do Sul.

“Neste ano o Brasil estava no auge. O Lula chegou ao poder, o Fórum Social Mundial já estava em sua terceira edição e era um grande laboratório de experimentos sociais para o mundo. Então criamos este site para com análises e textos publicados no Brasil mas traduzidos para o francês e em pouco tempo passamos a ser solicitados para explicar o que acontecia em nosso País”, recorda Erika.

Com o passar do tempo, o site tornou-se referência e foi expandindo suas ações. Em 2005, quando foi o ano do Brasil na França, Erika e seus colegas de Autres Brésils criaram um festival de cinema documentário que tinha como foco produções que tratassem de temas sociais, como Direitos Humanos e o Meio Ambiente, o festival « Brésil en mouvements ». Mas aos poucos, o fortalecimento da democracia brasileira dos instrumentos de controle social, além das políticas inclusivas, foram sendo deixados de lado. Mais especificamente a partir de 2015, quando teve início o golpe que culminou com a destituição de Dilma Rousseff da Presidência da República.

“Continuámos fazendo o que sempre fizemos. Mas na época  com o intuito de denunciar o golpe e os ataques à jovem democracia brasileira, cujo intuito era a manutenção do poder na mão de tão poucos. Também mostramos um poder judiciário parcial  e um poder legislativo tendencioso. Mostramos que as instituições brasileiras não eram tão fortes quanto se imaginava”, aponta a jornalista.

A partir de então Erika tem buscado articulações com entidades da sociedade civil organizada e cria mecanismos para denunciar os ataques aos direitos sociais e à democracia brasileira. Em 2016 a Autres Brésils (Outros Brasils), que é uma associação, criou um coletivo para denunciar o golpe em andamento. No final de 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, produziram um manifesto assinado por 18 organizações alertando para o que viria e com o alerta: “não ficaremos calados”.

O passo seguinte da jornalista, em parceria com outras entidades, foi a criação da coalização Solidarité Brésil (Coalização Solidariedade Brasil) através da campanha « Le Brésil resiste » (https://lebresilresiste.org/quem-somos/) . O movimento reúne organizações francesas de solidariedade internacional que possuem parceiros brasileiros e atuam fazendo o alerta sobre os retrocessos no País. Entre as entidades brasileiras com as quais a Colizão trabalha  estão o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra).

Uma das primeiras ações do grupo foi a publicação do que chamam de barômetro que mede a situação dos direitos humanos no Brasil. “Traduzimos e publicamos situações liagadas aos temas dos direitos humanos, como a violência contra as mulheres, contra a população negra, a violência policial, a situação dos povos indígenas e também sobre o sistema carcerário brasileiro, que é o segundo com maior população em todo o mundo”, relata Erika.

Neste período de 17 anos em que atua para mostrar a real situação do Brasil para os franceses e também outros países de língua francesa, como parte do Canadá, Erika pode acompanhar a mudança da percepção sobre o Brasil. Segundo ela, inclusive, neste processo a mídia francesa equivocou-se ao adotar narrativas justamente por acreditar na força da democracia brasileira. “Quando aconteceu o Golpe de 2016 os jornais publicavam notícias a partir de um ponto de vista distorcido. Como aconteceu dentro do parlamento era difícil a compreensão dos franceses de que um golpe estava acontecendo”, comentou. “Não entra no imaginário de um francês que o parlamento possa ter corruptos ao ponto de destituir uma presidenta eleita. Explicar esse processo foi muito difícil. Um jornalista comentou comigo que o Brasil não era uma república de bananas ao defender a narrativa que estava colocada”, completou. Ao que tudo indica, era.

A eleição de Jair Bolsonaro, por sua vez, auxiliou no processo de percepção do que acontecia no Brasil. Além da falta de ações sanitárias para o combate à pandemia de Covid-19, outro episódio foi marcante para os franceses. “Enquanto a Amazônia pegava fogo, Bolsonaro fazia piada com a esposa de Macron. Mesmo com a popularidade do presidente francês baixa, a forma com que ele referiu-se foi tão baixa que foi um choque para os franceses . Isso mudou completamente a visão. A percepção que passávamos que era considerada exagerada acabou sendo percebida como verdadeira”, avalia.

Com o crescimento do número de casos de Covid-19 no Brasil, a ausência de políticas sanitárias, a crise do meio ambiente e também a econômica, a jornalista seguirá tendo muito trabalho para tentar explicar para os franceses o que aconteceu com o Brasil. Um país que decolava no cenário internacional e agora está atolado em uma gestão autoritária e que fracassa em todas as áreas que tenta intervir, desde a economia, passando pelo meio ambiente e direitos sociais, até as relações internacionais. “Todos nós, de uma maneira ou outra, estamos pagando um preço altíssimo pelo que aconteceu em 2016”, finalizou.

Saiba mais:

|| Coalizao Solidariedade Brasil: https://lebresilresiste.org/quem-somos/

|| Autres Brésils : www.autresbresils.net