Uma crônica de Natal: Cegueira verde e amarela

Em 2021 a boa fé manda seguir a ciência e não tapar os olhos com máscaras





Bolsonaro, sem máscara, no lançamento da campanha de vacinação. Foto: Isac Nóbrega/PR

“Colocava a máscara no queixo porque tinha os olhos vendados para os riscos”.

– Muitas das coisas que a gente não vê estão diante dos nossos olhos. Seja fisicamente, seja em forma de metáfora. O coronavírus é uma delas – vaticinou.

Assim começaria a missa virtual do Santo Padre antes do Natal. Suas palavras são vistas ou ouvidas em todos os continentes, variando apenas no horário que entra pelos lares conforme o fuso horário local. Mas seu discurso não é enxergado ou escutado por boa parte da população mundial, vendados que estão na mente para a homilia do Senhor. 

Foi o que o pároco pensou após erguer o cálice da salvação e olhar para a nave praticamente vazia por conta da pandemia. As poucas pessoas que se encontravam ali usavam máscara como medida de proteção. Embora, entre os poucos, quase todos já haviam sido batizados pelo vírus. 

Junto aos vivos, estavam presentes as estátuas e imagens que o Santo Padre, mesmo com tanta polêmica, autorizou “calar”. Em Jesus, Maria e os apóstolos foram colocadas mordaças, digo, máscaras nos lábios. Um auxiliar chegara a propor que os únicos sem máscara na Santa Ceia deveriam ser Pedro e Judas Iscariotes, que negou e delatou o filho do Homem, ou da Mulher, ou de DeusE, pois a divindade suprema não tem gênero. 

Mas essa mensagem, doutamente, foi suspensa pelo Santo Padre. Tinha em mente dois fatores: o primeiro é de que o vírus é democrático, pois chega para todos, da pessoa de bem ao “cidadão de bem”, que vá lá, tem comportamento de mau, apesar de que, como ele sabe, a contaminação não é democrática, pois seus efeitos são reflexos das decisões políticas que escolhem quais grupos sociais serão mais ou menos expostos ao vírus. O segundo fator é que julgava mais simbólico retirar a máscara de todos juntos na Cena de Natal, como se exemplificasse que a cura só é válida se todos se unirem e se contaminarem de saúde. Basta que um se descuide, que um prefira ser isentão a la César – este pelo menos lavou as mãos – para que todos sofram as consequências. 

Mas, assim como Jesus se sacrificou em nosso nome, é no seu aniversário que a esperança se prolifera na Terra. Para 2021, multidões estão a esperar mais do que a hóstia consagrada, o pico no braço que abençoe a todos com a imunização. E a picada, para o Papa, não importa se é chinesa, russa ou norte-americana. O que importa é que as mangas sejam erguidas, que a agulha perfure os ombros e que ninguém vire alienígena ou jacaré como efeito colateral.

Papa consagra hóstia e pede pela cura da Covid-19. Foto: VaticanNews

Para a mensagem de Natal, em suas redes, o Santo Padre disse que “se a #pandemia nos obrigou a ficar mais distantes, Jesus, no presépio, mostra-nos o caminho da ternura para estarmos próximos, para sermos humanos. Sigamos este caminho”. 

Faltou alertar para não crer ou seguir falsos Messias, verdadeiros mensageiros do Satanás, aqueles que debocham diante da contaminação e das mortes porque não são coveiros, fechando a santa missa desejando o óbvio quando o óbvio cega tantas pessoas:

– Vacinem em paz e que a ciência nos acompanhe.