Pavilhão da Cura

Se Nossa Senhora da Luz dos Pinhais escrevesse cartas, imagino que este poderia ser o teor de algumas delas a ser enviadas ao Rafael Greca




FonteDoutor Rosinha*

Foto: Daniel Castellano / SMCS

Dileto filho Rafael Valdomiro Greca de Macedo

Desculpe a insistência, mas sinto que você não levou em consideração a minha primeira carta, que imaginei que seria a única.

Nesta segunda carta, vou lembrar-lhe alguma coisa que escrevi na primeira: lembra – sei que lembra, pois graças a Deus você não é um desmemoriado – que nela escrevi que aqui onde vivo “acompanhamos tudo o que acontece no mundo”.

Escrevi mais e – como mãe – vou relembrá-las. Para ser didática vou enumerá-las: 1) escrevi que tem muita gente usando indevidamente, em vão, o nome do nosso Pai. E – convenhamos – você continua exagerando; 2) lembro novamente da – praga – pandemia que nos assola. Escrevi que “muitos ficam nas orações e nada ou pouco” fazem, quando não, trabalha contra a ciência e a vontade de nosso Pai Eterno.

Jair Messias – que de Messias não tem nada – Bolsonaro só faz usar, em vão e de maneira irresponsável, o nome do nosso Pai, e você está fazendo a mesma coisa.

Rafael você sabe qual é o lugar reservado – após a morte do corpo – a este tipo de gente. Não vou dizer o lugar por que me arrepia só de imaginar.

A razão desta segunda carta é relembrá-lo que aqui [onde vivo] registramos todas as palavras e ações de todos e todas que vivem na terra. Tudo é registrado, afinal chegará o dia do juízo final.

Lembra da aula de catecismo, quando te ensinaram a importância da confissão e como confessar. Foi ensinado que a luxuria é pecado e que deveria dizer para o padre: “padre, eu pequei em pensamentos, palavras e ações ou atos”.

Após ouvir isto o padre – com voz dócil de padre – perguntava: “filho, quais foram seus pensamentos?”

Rafael, isto é um exagero dos nossos/as fiéis discípulos/as que vivem na terra. Para a sua tranquilidade informo que ainda não conseguimos conhecer os pensamentos pecaminosos dos e das que com você vivem e, sou sincera, quando conseguirmos provavelmente Lúcifer também conseguirá e, certeza, terá com ele muito mais almas do que teremos no paraíso.

Já estava desviando a razão desta carta.

Retomo e não se sinta ofendido por que o ofendido é o nosso Pai, meu filho Jesus e eu, nomeada a padroeira de Curitiba. Estamos – digo por nós – ofendidos pelo seu descaso com o nosso povo de Curitiba. Estamos tristes e as razões são muitas. Exemplos: 1) esse “Pavilhão da Cura”; 2) o favorecimento em vacinar algumas pessoas em detrimento dos mais humildes; e, 3) está sua fala que tem 500 milhões para comprar vacinas e não as encontra no mercado.

Sabendo da existência do dinheiro, e se realmente tivesse preocupação com a vida dos cristãos e cristãs de Curitiba, teria comprado vacinas na metade do ano passado.
Como mãe sabe que não lhe ensinei a mentir.

Filho Rafael, você disse que quer comprar vacinas para o povo e não para os “fura filas”. Correto, mas há muitos fura filas, tanto o fura fila individual como os coletivos. Explico: são as categorias profissionais que conseguiram com a sua permissão furar a fila. Estes/as fura-filas estão sendo vacinados/as em detrimento das pessoas que trabalham nas Unidades Básicas de Saúde e de pessoas idosas e com doenças que os torna vulneráveis.

Não posso deixar de comentar sobre o “Pavilhão da Cura” parece nome de igreja – destas seitas – comandada por charlatão. Desculpa a sinceridade, mas nós aqui chegamos até a rir – sim, aqui somos alegres e rimos muito do que vimos e ouvimos – com a confusão, proposital, de algumas almas que “confundiram” o seu nome com o do – auto proclamado – apóstolo Valdemiro.

Não é de rir: ele curando com feijão e você num Pavilhão.

Dá até rima: o Valdemiro com o feijão e o Valdomiro com o Pavilhão. Aí está a cura!
Fotos estampadas nas mídias sociais mostram que tanto no Pavilhão do Valdomiro, como na “igreja” de Valdemiro houve aglomerações e consequente disseminação do vírus. Por que isso meu filho?

Rafael, sabemos que essa ideia foi sua. Este ato de concentrar todos num só local e mentir é um pecado grave. Mentiu ao nomear o Pavilhão como da “Cura”. Com a inteligência que o Pai lhe deu sabe que vacina não cura, apenas previne.

Prefeitura de Curitiba concentrou vacinação em um local e gerou aglomerações. Foto: Reprodução Goura Nataraj

Mãe está sempre preocupada e pensa coisas, às vezes, sem nexo. Veja filho o que passou pela minha cabeça: que todas as pessoas para serem vacinadas têm que ir até o “Pavilhão da Cura”, para receberem a benção. O dízimo – a ser pago – é correr o risco de infectar-se.

Para chegar – não importa onde mora – vai a pé, de carro ou de ônibus. Se vai se infectar no ônibus é “culpa pelos pecados que cometeu” e não pela exposição. É assim que se comporta as pessoas que usam o nome do Pai e de meu filho Jesus em vão.

São tantas coisas para te falar que daria um sermão, mas só vou escrever mais uma coisa: este aplicativo – SaúdeJá – não é para agendar o dia e horário para ser vacinado/a, é simplesmente para inscrever pessoas no SUS, pois os municípios recebem os recursos de acordo com o número de inscritos e não mais pela população.

Digo isto por que ao fazer a inscrição não solicita nenhuma informação sobre o histórico de saúde das pessoas.

Se o aplicativo funcionasse não precisava os hospitais organizar o quantitativo de pessoas a serem encaminhados para a “Cura” no pavilhão. Estava tudo registrado no aplicativo e começava a vacinar todos e todas no próprio – ambulatório e hospital – local de trabalho e não teria os fura-filas.

Termino sem citações bíblicas. Mas, com uma observação sobre o poema, do Mario Benedetti – que está aqui entre nós: é um santo homem – que você publicou dia 28 de janeiro passado:

Não te rendas, ainda é tempo/ De se ter objetivos e começar de novo,/ Aceitar tuas sombras…/ Enterrar teus medos/ Soltar o lastro,/ Retomar o voo.
Não te rendas que a vida é isso,/ Continuar a viagem,/ Perseguir teus sonhos,/
Destravar o tempo,/ Correr os escombros/ E destapar o céu.

Não te rendas, por favor, não cedas,/ Ainda que o frio queime,/ Ainda que o medo morda,/
Ainda que o sol se esconda,/ E o vento se cale,/ Ainda existe fogo na tua alma./ Ainda existe vida nos teus sonhos”.

Filho amado, Mario não gostou de ser lembrado por você e inclusive fez uma observação: este poema está fora do lugar, está sendo usado de maneira indevida e comentou: “Rafael Greca é um destruidor de sonhos dos pobres e oprimidos. Ele é um dos poderosos que rende o povo”.

P. S. 1 – Ia esquecendo um dos seus irmãos precisando informações sobre o Covid-19 telefonou para o 3350-9000 e foi informado que – depois de ouvir algumas “orientações” – que era o 33º na fila para ser atendido.

P.S. 2 – Filho, um conselho: não troque a vida eterna por algumas décadas de luxuria.

* Doutor Rosinha é ex-deputado federal e médico pediatra na rede municipal de Curitiba