Pé de “pode, não pode”

Crônica: Os pés de lei-que-pegam e não-pegam dão um delicioso fruto agridoce chamado "Não pode, mas se quiser, pode"





Outono de Curitiba. Foto:Daniel Castellano/SMCS

O Brasil e os brasileiros são muito peculiares. Por essas bandas tem muito pé de lei-que-pega e não-pega plantado em praticamente todas as cidades do país. É possível que por esse mundão também existam países que plantem pés semelhantes, mas jamais igual. Os pés de lei-que-pegam e não-pegam são nativos por aqui desde antes da chegada dos portugueses. Tanto que é polêmica a homenagem ao Pau Brasil feita há tanto tempo por causa da sua abundância pelas matas e ex-matas.

A lei-que-pega e a não-pega pode ser vista em qualquer lugar. Se encontra na cidade,  no campo, nas casas e condomínios, nos prédios, nas ruas, em partições públicas e locais privados. Atualmente, ela tem sido vista muito em Brasília, onde a regra é plantar bastante lei-que-não-pega em cima das leis que supostamente pegavam. É o caso do Ministério da Saúde, onde se passa a boiada em cima da legislação sem o menor pudor.

Recentemente, tenho acompanhado a plantação de umas leis que não pegam em plena pandemia. E o principal entusiasta é o presidente. Ele adora plantar pés de decretos-inconstitucionais em cima de leis-que-pegam. Um dos últimos pés frutíferos plantados por ele são decretos que furam o teto constitucional, que era uma linda árvore de lei-que-pega não ameaçada de extinção. Aliás, o pé de teto-constitucional nem é uma lei que-não-pega inventada pela política. No judiciário brasileiro, onde se deveria regar pés de leis-que-pegam, é o local que mais tem sementes de jeitinho-para-furar-a-lei, essa praga genuinamente nacional. Eles, os toga-cara-de-pau bicam as árvores sem nenhum constrangimento em busca de galhos e atalhos que possam lhes dar saborosos soldos/frutos.

Os pés de lei-que-pegam e não-pegam dão um delicioso fruto agridoce chamado “Não pode, mas se quiser, pode”. É um fruto bem sugestivo. Uns dizem que é parecido com tomate, que é fruta, mas vendem como legume. Outros chamam atenção para a semelhança à melancia, que dá no chão e não em árvores. Essas frutinhas de “não pode, mas pode” tem a curiosa característica de darem o ano inteiro. É uma regrinha feita para não ser seguida por todos. Tipo: é obrigatório usar álcool gel, mas se quiser, não use. É proibido ir com mais de um familiar ao supermercado, mas se for, faça boas e caras compras. O toque de recolher é às 21 horas, mas se tiver na rua após isso, ninguém vai te prender.

Recentemente, vi duas lindas frutas de “não pode, mas pode”. A primeira delas caiu no pé de lei-que-pega plantado nas bandas da Prefeitura de Curitiba. Ela publicou um decreto contra aglomerações, mas permitiu que igrejas funcionassem, que escolas particulares abrissem e, principalmente, que ônibus circulassem com até 50% da lotação. É no transporte coletivo que as folhas de decretos-inúteis são mais vermelhinhas, mesmo no outono. Como ninguém fiscaliza, os ônibus estão lotados e com muita chance de as pessoas se contaminarem. 

Já a outra frutinha de “não pode, mas pode” tem se dado próximo aos restaurantes e lanchonetes da cidade. Eles estão dizendo que se podem decretos-inúteis de um lado, também vão colher suas frutinhas.

O que muita gente não sabe é que os pés de leis-que-pegam e não-pegam e suas frutinhas “não pode, mas pode”, assim como suas folhas decretos-inúteis podem ser prejudiciais à saúde se consumidas em excesso. Para prevenir-se, nada melhor do que um chá de tratamento precoce sabor Cloroquina. É dose.