Monumento Antônio Tavares torna-se Patrimônio Histórico Cultural (PR)

Obra projetada por Oscar Niemeyer homenageia mártires da luta por Reforma Agrária. Intensa repressão policial que resultou na morte do trabalhador Antônio Tavares e 185 pessoas agredidas

O Monumento foi construído em 01 de maio de 2001, Dia Internacional do Trabalhador, e projetado por Oscar Niemeyer. Foto: Wellington Lenon/MST

Vitória do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pela defesa da memória! O monumento Antônio Tavares, localizado na BR 277, em Campo Largo (Região Metropolitana de Curitiba), foi tombado como patrimônio municipal histórico cultural.

A decisão foi publicada no decreto 224, do Diário Oficial Municipal de Campo Largo, na quinta-feira (20). Confira o documento que reconhece o monumento como patrimônio histórico municipal cultural.

A medida significa que a Prefeitura de Campo Largo deve garantir a proteção e preservação da obra, construída onde o camponês Antônio Tavares foi assassinado pela Polícia Militar do Paraná. O documento diz que o tombamento foi realizado: “[…] considerando o valor histórico e artístico do Memorial projetado por Oscar Niemeyer, em homenagem aos trabalhadores rurais e ao fato ocorrido neste Município em 02 de maio de 2000”.

O ato de “tombar” um prédio, um lugar – neste caso, um monumento – é reconhecer sua importância histórica. O monumento construído com muito trabalho coletivo, que representa não apenas Tavares mas também tantas companheiras(os) vítimas na luta por Reforma Agrária, foi atacado diversas vezes e recebeu constantes ameaças.

Ireno Prochnow, da direção estadual do MST no Paraná, conta que o Movimento recebe a notícia como uma conquista e vitória da classe trabalhadora. “Achamos que esse monumento conta uma história de um período muito difícil do MST, de muita violência cometida pelo estado do Paraná contra os trabalhadores que viviam em seus acampamentos e assentamentos, que não podiam se manifestar. Nesse período, o estado do Paraná cometeu dezenas e dezenas de despejos pelas madrugadas, separando homens das mulheres, cometendo muitas injustiças e prisões de lideranças. […] Tornar esse monumento patrimônio histórico cultural da humanidade vai contar essa história de muita violência.Também fica como marco para qualquer governo não fazer mais o que foi feito”, afirma. Ireno estava no local quando Tavares foi assassinado.

Em 2021, o MST, juntamente com a organização Terra de Direitos, deu entrada no pedido de tombamento à prefeitura de Campo Largo. No mesmo ano, atendendo a um pedido liminar, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado Brasileiro protegesse a construção. O monumento apenas foi preservado até o momento em razão da soma de esforços contínuos do MST e parceiros para que o acontecimento nunca seja esquecido.

Para Camila Gomes, assessora jurídica da Terra de Direitos, o tombamento do monumento é uma grande conquista dos trabalhadores e das trabalhadoras rurais Sem Terra, diretamente impulsionada pela decisão liminar concedida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em junho de 2021. “Durante mais de 20 anos, foi o MST e a organizações locais que protegeram o monumento feito por Oscar Niemeyer. Foi preciso que o caso fosse levado à esfera internacional para que as autoridades brasileiras, finalmente, assumissem sua obrigação de proteger e preservar esta que, além de uma obra de arte com elevado valor cultural, possui importante valor simbólico, de memória e reparação para a família de Antônio Tavares e de todos os trabalhadores e trabalhadoras rurais mortos e feridos durante os conflitos agrários na região”.

A memória é uma maneira de garantir que as lutas do presente continuem, pois, se hoje as famílias e comunidades seguem na construção da Reforma Agrária Popular, é porque muitas outras pessoas antes dela também ocuparam áreas improdutivas e libertaram as terras exploradas. Tombar o monumento é uma importante ferramenta de preservação da memória da luta pela terra.

Todos os anos, em 02 de maio, o MST realiza um ato simbólico em lembrança a Antônio Tavares. O Movimento realiza a manutenção do local. Em 2022, foram plantadas árvores no entorno da obra. Foto: Wellington Lenon

“Calaram Antônio Tavares, mas o monumento fala pelos povos que lutam e pela resistência”

Entre 1995 a 2002, durante o mandato de Jaime Lerner no governo do estado, a Comissão Pastoral da Terra aponta que 16 trabalhadores Sem Terra foram assassinados, 49 sofreram ameaças de morte e 325 ficaram feridos, além de 134 despejos. “Foi um período de muitos assassinatos contra o MST”, relata Ireno.

Nesse contexto de violência crescente contra os trabalhadores Sem Terra, em 2 maio de 2000, cerca de 2 mil camponesas(es) Sem Terra se dirigiam a Curitiba para marchar pela Reforma Agrária e entregar ao INCRA uma série de reivindicações e celebrar o Dia Internacional do Trabalhador. Na BR-277, em Campo Largo, região metropolitana da capital paranaense, os ônibus foram barrados pela Polícia Militar.

A mando de Lerner, a força policial iniciou um verdadeiro massacre com balas de borracha, cavalaria, bombas, cachorros e até o uso de um helicóptero. Sem ter para onde correr, muitas pessoas tiveram que se esconder no mato próximo à rodovia. O resultado da violência foi de 185 feridos e a morte de Antônio Tavares, então com 38 anos, que deixou esposa e cinco filhos. Tavares foi atingido pelo PM Joel de Lima Santa Ana, e faleceu no mesmo dia. O monumento começou a ser construído um ano depois.

Antônio Tavares Irmão, um dos irmãos de Tavares, comenta a alegria do tombamento. “A importância do monumento fica gravada na memória de todo o povo da luta, das organizações sociais, do Brasil e do mundo. Ao verem o monumento e conhecerem a história, a memória que fica é de um guerreiro que lutou em favor da vida, dos direitos sociais, direitos da igualdade, terra, pão e paz para humanidade. Isso pra nós é um orgulho muito grande de ter as organizações sociais no enfrentamento e se espelhando na luta de Antônio Tavares Pereira”.

“Fico muito feliz, alegria muito grande de saber que nunca mais vai se mexer do lugar (o monumento). Foi uma violação dos direitos humanos, pelo governo que não quis ouvir a democracia. Calaram Antônio Tavares, mas o monumento fala pelos povos que lutam e pela resistência. Fica a marca no coração das pessoas. Quem passa por aí lembra do que aconteceu. Nós que estamos vivos e sabemos da história do Antônio Tavares, continuaremos a luta porque a vida só tem sentido se a gente luta pela liberdade, justiça, esperança, igualdade, saúde de todos e bem comum da humanidade. Esse monumento representa tudo isso”, conclui.

“Calaram Antônio Tavares mas o monumento fala pelos povos que lutam e pela resistência”. Foto: Juliana Barbosa/MST

Dilce Noronha atua na direção estadual do MST-PR e reflete a importância pela justiça por Antônio Tavares. “A justiça é também a memória para nós trabalhadores. Todos os trabalhadores presentes na luta defendem seus direitos, presentes na Constituição Brasileira. Para que os direitos aconteçam, precisa haver luta. Lutar é um direito e justiça precisa ser feita”, declara. O MST e as organizações Terra de Direitos e Justiça Global aguardam a sentença de julgamento do Estado brasileiro pela Corte Internacional de Direitos Humanos. Diante da ausência de responsabilização da justiça brasileira, as organizações recorreram à esfera internacional em busca de justiça.

Para Ireno Prochnow, o monumento é uma lembrança. “Sabemos que não vamos mais receber a vida do nosso companheiro, mas sabemos que o mínimo que pode ser feito é isso (tombamento), esse marco histórico não poder mais ser retirado desse espaço e servir como memória da morte dos companheiros e da violência que tivemos nesse período”.

Confira a homenagem a Antônio Tavares realizada em abril deste ano, quando completaram 23 anos de sua morte.

Companheiras de acampamentos e assentamentos do MST-PR conhecem a miniatura do monumento no museu Oscar Niemeyer, em Curitiba. A visita aconteceu na Jornada de Lutas em Defesa da Reforma Agrária, em abril de 2023. Abril é o mês internacional de Luta por Reforma Agrária em homenagem ao massacre de Eldorado dos Carajás, quando 21 trabalhadores Sem Terra foram assassinados pela Polícia Militar do Pará, em 1996. Fotos: Jaine Amorim/MST