Omissão do Estado fortalece violência e discurso anti-indígena no Paraná

Existem 40 áreas não regularizadas no Paraná, sendo 14 delas somente nos municípios de Guaíra e Terra Roxa





Grande parte dos indígenas no Paraná vivem em pequenos aldeamentos ou ocupações em margens de fazendas ou beiras de estradas. Foto: Paulo Porto

A institucionalização da violência aos povos indígenas tem se tornado uma prática de governos. Esse é um dos apontamentos do relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2018, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O documento, lançado no mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro criticou a extensão das demarcações de terras indígenas na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), sistematiza os principais tipos de violência que acometem povos e comunidades no país.

Os dados mostram que no governo Bolsonaro dobrou o número de áreas indígenas invadidas no Brasil. Nos nove primeiros meses de 2019, 153 áreas foram invadidas em 19 estados. Já em 2018 foram 76 invasões em 13 estados. Já em relação ao número de assassinatos houve um crescimento de 22,7%, saltando de 110 em 2017 para 135 em 2018.

Os estados com maiores registros foram Roraima (62) e Mato Grosso do Sul (38). No Paraná foram 8 mortes de indígenas em 2018, sendo 3 delas por assassinatos. As outras 5 mortes foram ocasionadas por atropelamentos. Ainda em relação aos números estaduais, o relatório aponta 6 tentativas de assassinatos, um caso de abuso do poder, um de racismo e discriminação, um caso de lesão corporal grave, um caso de estupro, 4 casos de desassistência e omissão do poder público e 7 de mortalidade infantil.

O relatório cita a situação dos povos indígenas no Sul do país e sua particularidades. Diferentes dos povos do norte do país, que sofrem com a invasão de suas terras já demarcadas, os indígenas do Sul vivem em pequenas áreas degradadas, sem condições mínimas de estrutura, saneamento básico, água potável e muitos deles em estado de fome e sem perspectivas de futuro. São pequenos aldeamentos ou ocupações em margens de fazendas ou beiras de estradas.

Morosidade

Em relação ao Paraná, o relatório evidencia que o principal problema dos povos indígenas que habitam o Estado é a morosidade na regularização de terras. Existem 40 áreas nesta situação em todo o Paraná, sendo 14 delas somente nos municípios de Guaíra e Terra Roxa. Atualmente são 17 terras demarcadas no Estado, onde habitam cerca de 10 mil indígenas divididos em três etnias: Guarani, Kaigang e Xetá.

O relatório cita um único procedimento demarcatório em andamento no Estado, o do Tekoha Guasu Guavirá, localizada nos municípios de Altônia, Guaíra e Terra Roxa, porém ele foi suspenso antes mesmo da fase de estudos.

“Essa morosidade faz com esses conflitos fiquem mais acirrados. São duas formas de violência que atingem os povos indígenas, a violência do estado e de parte da população que não aceita as demarcações e regularizações”, afirma Osmarina Oliveira, missionária do Cimi Regional Sul.

Ela aponta preocupação também com casos de discriminação, o aumento da mortalidade infantil na região e a tentativa da mudança na assistência na saúde indígena.

Conflitos

Dos 11 registros de ocorrências de conflitos territoriais em 2018 no Brasil, um deles aconteceu no Paraná. A situação ocorreu em maio do ano passado, na Terra Indígena Marangatu, em Guaíra. Após a Fundação Nacional do Índio (Funai) enviar uma carga de madeira para as famílias indígenas construírem casas em uma área em processo de estudo, ruralistas tentaram impedir que o caminhão chegasse até a comunidade, provocando o conflito. A terra reivindicada está em vias de ser regularizada e os ruralistas não aceitam a situação.

Outro caso emblemático citado no relatório do Cimi é a situação de abuso de autoridade envolvendo cinco Avá-Guarani presos pela Polícia Ambiental do Paraná. Eles foram detidos em março do ano passado por cortarem um pedaço de bambu em um refúgio ecológico de Itaipu.

Casos de racismo e discriminação no Paraná também são citados no relatório do Cimi, entre eles o inquérito contra a Organização Nacional de Garantia ao Direito de Propriedade (ONGDIP), que em seu portal na internet destilou ofensas à população indígena de Guaíra e Terra Roxa. Segundo o Ministério Público Federal, a organização desqualificou a identidade indígena, bem como fez acusações criminosas para colocar as comunidades como obstáculos ao desenvolvimento da região. O MPF solicitou que a ONGDIP não prosseguisse com as ações preconceituosas em suas redes sob pena de multa diária no valor de R$ 1 mil.

“Não havia índios”

Para o professor e indigenista Paulo Porto, vereador na cidade Cascavel, a ausência de demarcações de terras na região tem fortalecido o discurso preconceituoso em relação aos povos originários.

“O resultado disso é a consolidação da máxima que ‘aqui não havia índio’ repetido por lideranças políticas e econômicas da região. Um discurso mentiroso que segue impactando de forma negativa a vida destas comunidades”, comenta Porto.

Apesar da conjuntura negativa, o professor destaca vitórias simbólicas de grande representatividade no Oeste do Paraná, como a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) relativa a violação de direitos dos indígenas por parte da Itaipu Binacional. A hidrelétrica, símbolo do regime militar, desalojou indígenas e separou parentes no oeste do Estado na década de 1960, em história nunca oficializada.

Conforme a denúncia, os abusos e violações cometidos na época da ditadura trazem reflexos até hoje nos indígenas que habitam a região. “Ainda é cedo para comemorar, pois a denúncia precisa ser aceita, mas ficará cada vez mais difícil reafirmar esse velho e preconceituoso discurso de que ‘aqui não havia índio’”, conclui o indigenista.