Não é só pebolim

Jogo, também chamado de "totó" e "pacau", foi inventado por escritor antifascista no auge da Guerra Civil Espanhola





Foto: Pixabay

Talvez você ainda não tenha ouvido falar do espanhol Alejandro Finisterre (1919-2007), mas provavelmente já passou algumas horas de sua vida – principalmente na infância – se divertindo com sua criação. Esse poeta e escritor é o pai do jogo que na língua espanhola é conhecido como “futbolín”.

Que carioca não gosta de um desafio de “totó” ou que gaúcho não peleou numa partida de “pacau”, mas a maioria dos estados brasileiros o conhece como “pebolim”. Esse brinquedo que tem seus regionalismos no Brasil e que é chamado “mete-gol” na Argentina, “baby-foot” na França ou “matraquilhos” em Portugal.

No dia 9 de fevereiro, completou-se 14 anos da morte de seu inventor, que tem uma história que merece ser compartilhada. Ironia do destino, a origem de um jogo que hoje diverte milhões aconteceu em um dos momentos mais tristes da Europa: na ascensão do nazifascismo nas décadas de 1930 e 40.

Tudo teve início com uma ida de Alejandro Finisterre ao hospital, após ser ferido por uma bomba lançada por nazistas em Madri, em 1936, durante o auge da Guerra Civil Espanhola. Retirado de escombros, ele é levado a um hospital de Valencia e depois a outro hospital em Monserrat, região da Catalunhã. Por lá, Finisterre se depara com mutilados de guerra e muitas crianças.

Apaixonado por futebol, Finisterre se sensibiliza ao ver tantas crianças impossibilitadas de ter uma infância comum por causa da guerra, de não poderem estar se divertindo em uma partida de futebol. Isso lhe inspira a criar o “futbolín”, perto do natal de 1936.

Com a ajuda do carpinteiro basco Francisco Javier Altuna, ele contrói a mesa e torneia os jogadores. Um dos líderes da CNT (organização sindical) e da FAI (anarquista), Joan Busquets, que tinha uma fábrica de refrigerantes, se anima a patentear a novidade. Em 1937, o pebolim é patenteado, mas Finisterre perde os documentos durante um voo à França em meio à uma tempestade durante uma fuga do fascismo franquista.

Finisterre precisa atravessar o Pirineus a pé, levando na mochila a patente, uma lata de sardinha e duas obras de teatro que escreveu. Como disse o próprio Finisterre em uma entrevista: “a forte chuva fez os papéis da patente se converterem em argamassa”.

Já instalado em Paris, Finisterre decide buscar as patentes nos arquivos de Salamanca, pois toma conhecimento que um companheiro de hospital, Magí Muntaner, do Partido Operário Unificado Marxista, tinha patenteado o futbolín em Perpinyà.

Muntaner teria escrito cartas para contar sobre a patente, mas elas se perderam. Finisterre então vai à empresa que estava fabricando o brinquedo na Espanha, que acaba lhe dando dinheiro para seu exílio na América Latina.

No Equador, funda uma revista dedicada aos poetas latino-americanos e na apresentação da publicação conhece o embaixador da Guatemala, que lhe anima a fabricar o pebolim em terras guatemaltecas. Segundo Finisterre, as primeiras amostras do brinquedo no continente latinoamericano são feitas por mãos indígenas e tendo como material o mogno de Santa Maria.

Na Guatemala, Finisterre é apresentado a Hilda Gadea, então companheira do guerrilheiro Ernesto Che Guevara. Já conhecendo a fama do argentino consegue ser apresentado à Che no Centro Republicano Espanhol da Guatemala e lhe mostra a sua invenção. “Marcamos gols juntos, tínhamos estilos parecidos”, contou Finisterre em uma de suas últimas entrevistas.

Com o golpe de estado do ditador Carlos Castillo Armas, Finisterre deixa à Guatemala em direção ao Panamá. Mais tarde vai para o México onde encontra amigos poetas e escritores exilados e dedica-se às artes gráficas e a editar revistas.

Com a morte do ditador Francisco Franco, o galego volta à Espanha. Se estabelece em Zamorra, onde administra a herança do poeta republicano Leon Felipe. Morre em 9 de fevereiro de 2007, então com 87 anos. Outros registros dão conta que um alemão chamado Brotto Wachter e um suíço conhecido como Mr. Kicher reivindicaram a “paternidade” do pebolim. Porém, hoje são apenas personagem secundários diante da história de Finisterre.

Abaixo o clipe da música Ode ao Futbolín, homenagem do grupo galego Os Diplomáticos de Monte Alto à Alejandro Finisterre.